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Sábado, 06 de Julho de 2024, 15h43

NOMOFOBIA

Medo de ficar sem celular pode se tornar vício; psicóloga explica

GAZETA DIGITAL

 

Quanto tempo você consegue ficar sem estar conectado ao aparelho celular? Para alguns, a ausência do smartphone em mãos pode ser motivo de certa ansiedade, mas em outros casos a falta dele pode virar até mesmo uma fobia. A condição ganhou até nome próprio: nomofobia, quando um usuário teme ficar sem o dispositivo. O nome da síndrome vem do inglês “no mobile phobia”, que em tradução livre seria algo como “sem celular”.

O Brasil é tido como o segundo país entre 45 nações com mais pessoas em frente a telas, segundo levantamento da plataforma Electronics Hub a partir da pesquisa Digital 2023: Global Overview Report da DataReportal. Os brasileiros passam cerca de 56,6% das horas acordados em frente a telas, ou seja, em torno de 9 horas do dia.

Ao GD, a psicóloga especialista em terapia cognitivo comportamental e dependências Flavia Brum Lopes conta que tem percebido um aumento significativo nos últimos anos de pacientes que relatam a interferência do celular nas atividades diárias, como estudos e trabalho.

Gazeta Digital - Como a psicologia tem encarado este fenômeno contemporâneo da nomofobia? 

Psicóloga Flávia - A psicologia encara a nomofobia como um fenômeno da atualidade que reflete mudanças na forma como nos relacionamos com a tecnologia e vem cada vez mais aprofundando estudos sobre essa questão. Ela vem sendo comparada com outras formas de vícios comportamentais, como vício em internet ou jogos eletrônicos, mas ainda não está devidamente reconhecida como um vício no DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).

É possível observar na nomofobia várias características de comportamentos viciosos como, por exemplo, necessidade de usar o celular de forma compulsiva, sintomas de ansiedade ao não ter o aparelho disponível e consequentemente necessitar do mesmo para se sentir mais “calmo ou tranquilo”.

Gazeta Digital - De que forma ela afeta os indivíduos?

O sujeito pode ser afetado de diversas maneiras, como sintomas de ansiedade, estresse, depressão e isolamento social, além disso, uma vontade de estar “conectado” o tempo todo, prejudicando assim a ação de relaxar, o descanso mental necessário para nossa saúde mental, dificuldades de concentração.

Outro ponto importante quando falamos de prejuízos ligados a nomofobia esta na área dos relacionamentos interpessoais, criando uma certa dificuldade no relacionamento face a face, levando a um afastamento social, dificuldade de manter relações saudáveis e por fim temos também os problemas físicos como dores no pescoço e corpo devido à postura inadequada, problemas de visão e no tempo e qualidade do sono.

Gazeta Digital - Este comportamento pode ser indicativo ou um sintoma de que novas doenças envolvendo as atividades e transformações tecnológicas da vida contemporânea estejam surgindo?

Psicóloga Flávia - Sim. À medida que a tecnologia avança e se integra cada vez mais em nossas rotinas, a psicologia e outras áreas da saúde mental têm observado o aparecimento de condições e sintomas associados a essa nova realidade digital.

A nomofobia, por exemplo, é um reflexo direto de como a dependência de dispositivos móveis pode impactar a saúde mental, mas, além disso, é possível observar uma emergência de outros transtornos que também estão ligados ao uso excessivo e inadequado da tecnologia, como, por exemplo, vício em internet e redes sociais, cyberbullying, problemas de sono, vícios em jogos eletrônicos, entre outros.

Com isso podemos observar o quanto os avanços tecnológicos estão moldando e trazendo novos desafios para a área da saúde mental.

Gazeta Digital - Já existem pessoas que sejam tratadas por apresentar esta condição de ansiedade ou medo relacionado a ficar sem os dispositivos?

Psicóloga Flávia - Sim. Os tratamentos mais frequentes se resumem ao uso da psicologia/psicoterapia, podendo em alguns casos ser necessário o tratamento paralelo com psiquiatra/medicamentosa dependendo do nível de ansiedade que aquele paciente apresenta.

Gazeta Digital - Como auxiliar ou orientar alguém que pode estar passando por isso? Como reconhecer e buscar ajuda profissional?

 

Psicóloga Flávia - É importante conversar de forma aberta e empática, sem julgamentos. Não diga que aquilo que a pessoa está passando é algo bobo, simples. Explique que está preocupado com o bem-estar e descreva os comportamentos que observou, usando exemplos específicos para mostrar suas preocupações de forma clara e direta.

Compartilhe informações sobre a nomofobia e seus sintomas, explicando que é um problema reconhecido e que muitas pessoas passam por isso. Sugira estratégias de autogerenciamento, como estabelecer limites para o uso do celular, inclusive com o auxílio de aplicativos próprios para isso ou auxílio de terceiros. Desenvolver hobbies offline, praticar meditação e buscar um equilíbrio saudável no uso da tecnologia.

Recomende a busca de ajuda profissional, indicando a consulta com um psicólogo especializado em dependência tecnológica ou transtornos de ansiedade, além de ser um profissional que o mesmo se sinta à vontade. Incentive a participação em grupos de suporte onde a pessoa pode compartilhar experiências e aprender com outros que enfrentam problemas semelhantes.

Caso o nível de ansiedade seja muito alto, pode ser necessário o uso de alguns medicamentos de forma momentânea, sendo necessário assim consultar um psiquiatra também, lembrando que diferente do senso comum, o uso de medicamento às vezes é necessário.

Seja um apoio constante, esteja presente para quando a pessoa precisar, mas não esqueça que a recuperação não é de uma hora para outra, é gradual, um passo de cada vez. Assim como o problema foi se instalando aos poucos e às vezes já está ali há meses ou até anos, a solução não vem de uma hora para outra, mas é possível se livrar desse tipo de comportamento.

Com apoio e suporte é possível superar. Não esqueça, se outras pessoas conseguem superar, você também é capaz. O tratamento não é fácil, mas todos os dias temos que escolher, qual dificuldade será enfrentada para alcançar seu objetivo, sua saúde e ter qualidade de vida. 

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