Cidades

Sexta-Feira, 20 de Junho de 2025, 09h42

ACOLHIMENTO

Rondonópolis recebe campanha “Eu Digo Basta!”

Da Redação

 

Dezenas de pessoas participaram, nesta quarta-feira (18 de junho), da palestra da campanha “Eu Digo Basta! – Poder Judiciário contra a Violência Doméstica e Familiar” no auditório do Tribunal do Júri do Fórum Desembargador Willian Drosghic, em Rondonópolis (212 km de Cuiabá). A ação faz parte do processo de interiorização do Núcleo de Atendimento – Espaço Thays Machado voltado ao acolhimento de magistradas, servidoras, colaboradoras, credenciadas, terceirizadas, estagiárias e aposentadas que atuam no Judiciário mato-grossense e são vítimas de violência doméstica e familiar.

A campanha integra o Plano de Gestão 2025-2026 e é promovida pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher-MT), sob coordenação da desembargadora Maria Erotides Kneip, e pelo Núcleo, sob condução da juíza colaboradora Tatyana Lopes de Araújo Borges, da 2ª Vara de Violência Doméstica de Cuiabá.

A magistrada destacou a importância da presença física da equipe do Núcleo nas comarcas do interior. “Tanto na vinda a Rondonópolis quanto nas visitas à Jaciara e Juscimeira, vimos o quanto foi importante esse contato pessoal. Muitos não sabiam da existência do Núcleo, mesmo com e-mails e comunicados. Olhar nos olhos, explicar, ouvir, isso gera segurança. Alguns relataram: ‘Eu não sabia que isso era uma violência’. E a partir disso, passaram a reconhecer e buscar ajuda. E vamos seguir trilhando esse caminho de formar multiplicadores”, relatou.

A programação teve início com uma roda de conversa, aberta pela juíza Maria Mazarelo Farias Pinto, titular da Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Rondonópolis, representando a CeMulher-MT. Ela reforçou o papel transformador da campanha. “Antes de cuidarmos do outro, precisamos cuidar de nós. Esse olhar interno é fundamental. Temos que cuidar da mulher magistrada, da servidora, da colaboradora. É preciso romper o silêncio dentro de casa para, então, cuidar do lado de fora. A presença da equipe e a roda de conversa ajudam a quebrar estigmas. Mas sabemos que ainda há barreiras, principalmente pela cultura de silêncio nos ambientes institucionais”.

A magistrada também relembrou a trajetória da servidora Thays Machado, que dá nome ao Núcleo, e foi vítima de feminicídio em 2021. “É simbólico que o nome da Thays, que teve sua vida brutalmente interrompida, hoje represente um espaço de acolhimento e vida para tantas outras mulheres. Ela é a continuidade da luta. Não vamos mais silenciar”.

Já o promotor de Justiça Marcelo Domingos Mansour, representando o Ministério Púbico Estadual (MPE), compartilhou sua experiência. “Durante os anos em que atuei aqui no Tribunal do Júri, realizamos dezenas de júris de feminicídios. Em cada processo, uma vida ceifada. E isso sem contar os casos que não chegam às autoridades, a chamada cifra oculta. A estrutura do Estado precisa avançar, mas também precisamos punir com rigor. A impunidade incentiva o agressor. Quem agride mulher só respeita uma coisa: a perda da liberdade”, apontou.

Ele também defendeu medidas mais rigorosas contra os agressores. “Quem agride mulher não teme sermão, só teme perder a liberdade. Precisamos ser firmes. A impunidade fortalece o agressor e enfraquece a vítima”.

Evento em auditório reúne quatro pessoas no palco, sentadas em cadeiras modernas. Uma mulher fala ao microfone. Atrás, banners da campanha "Eu Digo Basta" e do CEMULHER. Público acompanha atento nas cadeiras.A defensora pública Jaqueline Gevizier Rodrigues Ciscato, coordenadora do Núcleo Cível da Comarca de Rondonópolis, ressaltou a importância da atuação humanizada do sistema de Justiça e parabenizou o Judiciário pela proposta da campanha. “Tenho percebido uma mudança significativa na postura do Poder Judiciário que está deixando de ser apenas emissor de decisões para se tornar agente ativo na transformação social. A campanha ‘Eu Digo Basta!’ é um exemplo concreto dessa virada de chave. Não basta apenas sentenciar, é preciso ouvir, acolher, atuar com empatia”, afirmou.

Ela também trouxe um olhar sensível sobre a complexidade da violência de gênero, destacando que o problema é estrutural e exige ações conjuntas. “Como mulher e mãe de um jovem de 21 anos, sei que a transformação começa em casa. Mas há uma carga cultural tão arraigada que desafia até a melhor educação. Por isso, parcerias como essa, entre Judiciário, Defensoria e Ministério Público, são fundamentais para quebrarmos o ciclo de normalização da violência contra a mulher, independentemente da classe social ou da função ocupada”, concluiu.

Também durante a roda, a juíza diretora do Fórum de Rondonópolis, Aline Luciane Ribeiro Viana Quinto Bissoni, reforçou que “a violência doméstica não escolhe classe, função ou lugar. Está em toda parte. As campanhas e ações institucionais como essa não apenas informam, mas criam multiplicadores e conscientizam para que o ciclo da violência seja rompido com seriedade”.

Ela ainda enalteceu a importância de levar ações de conscientização e enfrentamento à violência doméstica para além da capital. “A interiorização dessa campanha é muito relevante. Ao sair de Cuiabá e chegar às comarcas do interior, o Poder Judiciário reforça seu papel social e cria oportunidades para que denúncias sejam feitas, para que os agressores sejam responsabilizados e, principalmente, para que se quebre esse ciclo histórico de violência”, afirmou.

O simbolismo e a sensibilidade do Poder Judiciário ao criar um espaço exclusivo para acolher magistradas e servidoras foram evidenciados. “Quando visitei o TJMT e vi a sala que leva o nome da Thays Machado, me emocionei. Institucionalizar esse tipo de serviço é reconhecer que a violência doméstica, infelizmente, também pode atingir quem está dentro da Justiça. E é justamente por isso que o acolhimento precisa começar por dentro. Essa campanha planta sementes em cada comarca”.

Palestra – Além da roda de conversa, a programação em Rondonópolis contou com uma palestra conduzida pela juíza colaboradora do Núcleo. Na oportunidade, a magistrada falou sobre a Lei Maria da Penha, explicando seu surgimento, os cinco tipos de violência previstos (física, psicológica, sexual, moral e patrimonial), a importância das medidas protetivas e os impactos do Pacote Antifeminicídio. Também chamou atenção para dados alarmantes. “O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídios. Mato Grosso, infelizmente, figura entre os Estados com maiores índices. Precisamos, mais do que nunca, dar visibilidade e amparo a quem sofre calada”.

A juíza apresentou ainda os canais de atendimento do Núcleo e exibiu um vídeo institucional, produzido pela Coordenadoria de Comunicação, que apresenta a estrutura física do espaço Thays Machado, os atendimentos realizados e a rede de apoio disponível às mulheres do Judiciário.

Para além da teoria, a escuta e o contato direto com as servidoras tornaram o momento ainda mais simbólico. “Durante as visitas às comarcas de Jaciara e Juscimeira, vimos que muitas pessoas sequer sabiam que estavam em situação de violência. Ao explicarmos os tipos previstos na lei, vimos olhos marejados, acenos silenciosos, gestos que indicavam que aquele conteúdo tocava diretamente suas realidades. Esse ‘olho no olho’ é essencial. Traz confiança, acolhimento e orientação”, relatou Tatyana.

Entre as autoridades presentes estiveram os juízes de Direito Wagner Plaza e Wanderlei José dos Reis.

Vozes que ecoam - A campanha “Eu Digo Basta!”, além de promover informação e acolhimento à Comarca de Rondonópolis, também gerou reflexões entre os(as) participantes da palestra e roda de conversa. As falas revelam o quanto o contato direto com o tema e a presença da equipe do Núcleo Thays Machado proporcionaram conscientização, empatia e mobilização. A aposentada Rosilda Batista dos Santos, auxiliar judiciária aposentada, expressou o valor da ação. “Achei maravilhoso. Aprendi muita coisa. Foi muito bom pra gente ficar atenta, não só pra gente mesma, mas também para colegas que, de repente, estão passando por alguma coisa. A gente pode ajudar ou orientar. Isso não tem preço”.

A contadora Niellen Moreira Dourados afirmou ter saído tocada pela palestra. “Eu amei. Foi muito esclarecedora. A gente vive numa bolha, achando que está tudo bem, mas não percebe o que acontece ao redor. O que eu vi aqui me despertou para observar mais as pessoas próximas e tentar ajudar. Informação como essa tem o poder de transformar”.

Para o servidor Milton Pereira, o evento mostrou-se uma ferramenta de prevenção. “É uma campanha muito válida, especialmente no sentido de conscientizar os homens sobre o tratamento com as mulheres. Ações assim ajudam a evitar situações de agressão. Isso tem que ser amplamente discutido dentro das instituições”.

Já a estagiária Ana Carolina Benvenuto ressaltou o papel da educação continuada e do diálogo para combater a naturalização da violência. “Mesmo sendo um tema muito falado, ainda tem gente que não tem acesso a esse tipo de conhecimento. Por isso é tão importante que campanhas como essa aconteçam. Informação nunca é demais. E ouvir tudo isso dentro do próprio Judiciário fortalece ainda mais a mensagem”, disse. “Não é só a legislação que promove a pacificação social. Vai além dos gabinetes. Precisamos tratar da violência velada, como a psicológica, que atinge tantas mulheres. E o Judiciário vir até aqui, com sua equipe técnica, aproxima, humaniza e conscientiza. Isso precisa continuar e se multiplicar”, completou a técnica judiciária e instrutora de Círculos de Construção de Paz, Maria Eterna Pereira Melo.

Sobre o Núcleo Thays Machado - O Núcleo presta atendimento psicológico, jurídico e institucional, sempre com sigilo e acolhimento, a magistradas, servidoras efetivas e comissionadas, estagiárias, terceirizadas, credenciadas e aposentadas que estejam enfrentando situações de violência doméstica e familiar.

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