Segunda-Feira, 07 de Abril de 2025, 15h05
PATRIMÔNIO IMATERIAL
Escritora alerta para ameaça de extinção do "falar cuiabano"
MARIANA DA SILVA
Gazeta Digital
Para reconhecer um cuiabano não é preciso ir muito longe, basta ouvir uma frase. Com um sotaque e 'djeito' único de falar, os habitantes da capital e da baixada cuiabana tem seu linguajar tombado como patrimônio imaterial do estado de Mato Grosso desde 2013 por meio de decreto da Secretaria de Estado de Cultura. Contudo, nem todos sabem as origens e explicações por trás deste dialeto tão singular.
Segundo a professora do IFMT e autora do livro "O Falar Cuiabano", Cristina Campos, não é possível precisar com exatidão as origens do dialeto e do sotaque, no entanto, as influências dos povos indígenas Bororo e Guaitó e dos colonizadores espanhóis e portugueses que aqui chegaram, em razão da descoberta de ouro na região, podem ter se mesclado.
“Durante muito tempo, nossa região ficou relativamente isolada, principalmente no período da guerra contra o Paraguai porque não tinha estradas. Toda a comunicação e os transportes eram feitos através dos rios. Quando interditaram a bacia do Prata ficamos aqui um pouco isolados. Isso ajuda nesse fechamento e a desenvolver uma linguagem, um jeito de ser, de viver, singular, devido ao pouco contato com elementos de fora”, explica.
A linguista explica que dentre os elementos mais marcantes no falar cuiabano é notável a questão da concordância de gênero e acréscimo das letras D e T, muito presente na comunicação da população da baixada cuiabana, por exemplo, como em Poconé, Nossa Senhora do Livramento e outras.
“Essa indefinição de gênero, por exemplo, ‘eu vou lá no mamãe’, ‘eu vou na casa, no fulana’, existe uma indistinção de masculino e feminino e isso provavelmente vem de influência indígena. Esse ‘djente’, ‘tchuva’, isso pode vir de Portugal, do espanhol, a gente não sabe com certeza. Mas sem dúvida, é uma característica que singulariza”, cita.
Apesar de suas particularidades únicas, o sotaque cuiabano até pouco tempo atrás era tido como “feio” e motivo de desprezo por pessoas que vinham de fora da capital, sendo motivo de comentários maldosos. Cristina narra que este preconceito foi um dos fatores para que o cuiabano raiz tivesse vergonha de se comunicar.
Um dos fatores para mudar a visão popular sobre o falar dos cuiabanos se deve principalmente aos esforços de valorização cultural por meio dos artistas locais. Um dos pioneiros na arte de dar vida a personagens com traços típicos dos cuiabanos foi Liu Arruda. O artista fez sucesso e ficou consagrado no imaginário popular.
“Ele não tinha papas na língua. Ele esculhambava governador, prefeito, um político que estava assistindo. Muitas pessoas gostaram, acharam interessante porque realmente ele valorizou o falar com o cuiabano e outros ficaram ofendidos porque achavam que ele estava debochando. É uma polêmica, mas eu acho que ele fez uma grande coisa, ele levou para o palco o falar cuiabano”, lembra.
Outra figura que contribuiu para a valorização, foi o poeta Silva Freire, responsável pelo registro em poesia e na literatura. “Ele fez um registro etnográfico desse falar. Ele descrevia as redeiras, os ceramistas, o vaqueiro, o tropeiro, o garçom do bar, sabe? Ele nomeava as pessoas, os lugares onde ele contava”, recorda.
Uma das grandes preocupações atualmente é com o desaparecimento gradual do linguajar cuiabano. De acordo com a linguista, o mundo moderno, a globalização e as constantes migrações têm contribuído para que o jeito tão único de se expressar dos cuiabanos aos poucos vá se perdendo.
Conforme a pesquisadora, a linguagem cuiabana está ameaçada, devido às migrações e à explosão do crescimento populacional. Hoje em dia, o falar está mais diluído, encontrado em comunidades e famílias.
“Aquilo que constituía a nossa gente, nossa terra, o ‘progresso’ vai colocando outras coisas sobre elas impactando de uma forma muito cruel e até irreversível. Nosso papel é realmente mostrar que isso existe, que tem um valor muito grande, sem reduzir toda essa diversidade da vida ambiental e cultural a uma única coisa monotemática. Estamos lutando para que isso continue e se preserve”, conclui.
Dicionário de “cuiabanês”
Professor e radialista, William Gomes, falecido em 2017, foi o responsável por contribuir em grande parte com a preservação desta parte da cultura cuiabana da comunicação. Autor do Dicionário Cuiabanês, traduziu algumas palavras e dizeres que compõem o linguajar cuiabano. Mesmo não sendo cuiabano, nascido em Minas Gerais, mudou-se para Mato Grosso quando estava com um ano de idade e era apaixonado pela cultura e o modo de falar dos cuiabanos.
Confira alguns termos mais comuns:
Arroz-de-festa - Denominação de quem não perde nenhuma festa. Está sempre em festa. Ex: “Arroz de festa é quem não sai da festa”
Atarracado(a) – Abraçado, juntos. Ex: “Os dois tão atarracado ali no escuro”
Até na orêia – Repleto, cheio, demais. Ex: “Zé Bico comeu tanto peixe, que tá até na orêia”
Bocó de fivela – Pessoa boba, burra, ignorante. Ex: “Por mais que ocê explica, ela não entende, é uma bocó de fivela”
Bom demás – Muito bom. Ex: “Lá tá bom demás”
Bonito prô cê – Expressão que indica quando a atitude tomada, não foi boa. Ex: “Chegô em casa bêbado, bonito prô cê”
Canháem – Expressão usada para discordar. “Você namora Maria Taquara? Canháem”
Coxá – Relação sexual. Ex: “Os dois foram coxá”
Chá por Deus - Expressão de espanto, admiração, dúvida. Ex: Chá por Deus, esse caminhão, não sobe a serra de São Vicente”
Chuça e Rebuça – Baile. Ex: “Na guarita vai tê hoje uma chuça e rebuça”
De jápa – Grátis, o que vem a mais. Ex: Quando se compra uma dúzia de bananas, e recebe treze unidades. “Esse adicional é a jápa”
Demás – Expressão usada para discordar. Ex: “Cuidado. O guarda vai dá nocê. Vai, demás”
Digoreste – Ótimo, bom, exímio. Ex: “O guri é digoreste pá pega manga”
Espia lá – Olha lá, veja. Ex: “Espia lá capim já vem”
Futxicaiada – Muito fuxico. Excesso Excesso de mixirico. Ex: “O ambiente ali não tá bom, é só futxicaiada”
Festá – Festar, participar de festa. Ex: “Tchô Nego da Cruz foi festá”
Moage - Frescura. Ex: “Você não quer ir com a gente? Larga de moage!”
Não tá nem aí pá paçoca – Não liga para nada. Não quer saber das conseqüências. Ex: Tchá Bina, não tá nem aí pá paçoca”
Pranchei de banda – Sai, escapei, tô fora. Ex: “Pranchei de banda, não vou na rua da Lama no Porto”
Que, que esse? – O que é isso. Ex: “Que, que esse? Como você apareceu aqui?”
Rufa – Bater. Ex: “Se aparecer aqui , o povo rufa ele.”
Sartei de banda – Tô fora, não concordo, não quero mais. Ex: “Não tô namorando, sartei de banda”
Tchá mãe – Expressão características para xingar alguém . Ex: “Tchá mãe, rapaz, vá tomá na tampa.”
Vôte! – Deus me livre. Expressão de medo e espanto. Ex: “Vôte! Sai daqui capeta, aplica pra tudo.”
Xô Mano - cumprimento a um amigo, pessoa. Ex:“E aí, xô mano! Tudo jóia?”
Mixtense | 07/04/2025 20:08:41
Tchú cú burro , até no sapato ,tchô cesso, até o S de tonto ,seu cainha, bocóinho, barroteiada, tomar uma Brahma significa tomar cerveja independente da marca e tem um monte, mais não se usa mais pela miscigenação dos povos.
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