Economia

Quarta-Feira, 14 de Maio de 2025, 18h40

GOLPE DA REFORMA

Influencer que ostenta luxo nas redes é cadastrada como "sem terra" em MT

A inclusão dela no sistema do Incra foi denunciada à DPU e ao MPF

DANIEL CAMARGOS

Repórter Brasil

 

Michele Zavodini faz pose em uma lancha no mar de Santa Catarina, desfila ao sair de um avião de pequeno porte e aparece conversando com músicos da banda Barões da Pisadinha. Em seu Instagram, a influencer exibe uma rotina de festas, luxo e viagens. Desde 27 de dezembro do ano passado, porém, seu nome circula em outro contexto: ela aparece oficialmente como beneficiária do Programa Nacional de Reforma Agrária, vinculada ao Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, no norte de Mato Grosso.

A inclusão de Michelle no sistema do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi denunciada à DPU (Defensoria Pública da União) e ao MPF (Ministério Público Federal) pela Assoplan (Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Planalto). A entidade representa 70 famílias sem terra da região, acampadas há mais de dez anos à espera de um lote.

Segundo a denúncia, acessada com exclusividade pela Repórter Brasil, Michelle não atenderia aos critérios socioeconômicos exigidos para um beneficiário da reforma agrária. A vida luxuosa exibida nas redes sociais destoaria do perfil previsto em lei para os programas do Incra, segundo a Assoplan. O documento ressalta ainda a ligação da influencer com grandes produtores de soja da região.

A denúncia cita ainda como beneficiários um fazendeiro já processado pelo próprio Incra e uma servidora da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso —por lei, funcionários públicos não podem ser contemplados com lotes de reforma agrária. Assim como Michelle, ambos tiveram seus nomes incluídos em 27 de dezembro do ano passado.

Procurado, o Incra informou que a influencer e o fazendeiro estão com o cadastro bloqueado pela autarquia e que podem ser excluídos da relação. O cadastro da servidora pública, contudo, segue ativo. Segundo o órgão, nenhum dos três chegou a receber os benefícios destinados aos clientes da reforma agrária, como linhas especiais de financiamento. O Incra diz ainda que o contrato de concessão de uso da terra não foi emitido. Os lotes, no entanto, seguem vinculados aos três e não podem ser distribuídos a outros beneficiários. Leia aqui a íntegra.

O Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá foi criado em 1995 para beneficiar mais de mil famílias em uma área de 115 mil hectares, equivalente à do município do Rio de Janeiro. Ao longo das décadas, no entanto, as terras foram apropriadas por produtores de soja. 

Documentos reunidos pelo MPF e pela Polícia Federal mostram que mais de mil lotes foram transferidos para cerca de 80 grupos familiares ou fazendeiros, em processos que teriam envolvido ameaças, contratos irregulares e uso de laranjas. No ano passado, uma decisão de primeira instância da Justiça Federal determinou que a União retomasse 170 lotes dentro do assentamento —alguns chegaram a ser sorteados pelo Incra para famílias sem-terra, mas a posse segue em disputa no judiciário.

Influencer morava no Paraná até 2018 e é formada em pedagogia

O irmão da influencer, Leandro Zavodini, é produtor rural e proprietário da Agrícola Maripá, com sede em Lucas do Rio Verde (MT), um dos maiores polos de produção de soja do país. Em novembro do ano passado, ele recebeu um prêmio de R$ 3,5 milhões ao vencer o torneio de pôquer The Legends.

A influencer trabalhou no escritório do irmão, após deixar Marechal Cândido Rondon (PR), em 2018. Em entrevista concedida a um podcast, em agosto de 2024, Michelle contou que se mudou para o norte do Mato Grosso enquanto estava grávida, para ficar mais perto da família. "Foi muito difícil me encontrar. Estava totalmente perdida", disse.

Após o período trabalhando com o irmão, Michelle, pedagoga de formação, abriu uma escola infantil, mas precisou encerrar as atividades por causa da pandemia de covid-19. Foi então que, segundo ela, descobriu sua vocação como influencer. Na entrevista ao podcast, ela não faz qualquer menção a vínculos com o assentamento.

A Repórter Brasil procurou Michelle e a questionou sobre a inclusão de seu nome no cadastro do Incra como beneficiária da reforma agrária. "Não estou sabendo da denúncia [feita pela Assoplan] e, por este motivo, não tenho nada a declarar", afirmou. Seu irmão Leandro também foi questionado, mas não respondeu as perguntas e disse apenas que não autorizaria a publicação de seu nome.

A denúncia também cita Karen Larissa Torres, assessora jurídica da Defensoria Pública do Estado em Tangará da Serra (MT) desde agosto de 2022. A servidora também aparece no cadastro oficial como beneficiária de um dos lotes, apesar de receber salário mensal de cerca de R$ 9 mil e de não ter perfil de trabalhadora rural, segundo a denúncia encaminhada à DPU e ao MPF.

O artigo 20 da lei 8.269 de 1993, que regulamenta a reforma agrária, diz que ocupantes de cargo, emprego ou função pública remunerada não podem ser beneficiários do programa, assim como proprietários rurais, donos ou acionistas de sociedade empresarial ou pessoas com renda familiar superior a três salários mínimos, decorrente de atividade não agrária.

Procurada, Karen disse não ter conhecimento da denúncia envolvendo seu nome. Em troca de mensagens de WhatsApp, ela informou que não reside no Tapurah/Itanhangá, apesar de sua família ocupar um lote no assentamento há muitos anos. "Proíbo que meu nome seja vinculado a qualquer tipo de notícia com base em meros achismos e conjecturas falsas", respondeu.

A Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso informou que abrirá procedimento interno para apurar o caso e ouvir a servidora. Leia aqui a íntegra da resposta.

Outro nome denunciado é o de Alex Stein Fortes, incluído na lista de assentados homologados no final de 2024. Fortes responde a uma ação civil pública movida pelo próprio Incra em 2022 por suspeita de manter posse indireta e indevida de um lote do assentamento Tapurah/Itanhangá, por meio de intermediários. A ação cita ainda possíveis desmatamentos irregulares, contratos simulados e financiamento milionário de produção agrícola em terras públicas.

Procurado, o advogado de Fortes disse que não comenta processos sub judice. "A nossa visão dos fatos se encontra presente no processo e, em breve, tudo será devidamente esclarecido", afirmou.

O que diz o Incra

Inicialmente, o Incra confirmou que Michelle Zavodini, Karen Larissa Torres e Alex Stein Fortes estão registrados como beneficiários do assentamento Tapurah/Itanhangá, mas com status "bloqueado" —o que impede o acesso a políticas públicas, até a conclusão de análises complementares. Depois, retificou a informação e disse que o cadastro da servidora pública segue ativo.

A autarquia afirmou ter recebido as denúncias da Assoplan por meio do MPF e da DPU, encaminhando-as à Conciliação Agrária Regional. Informou também que uma vistoria feita em 2024 identificou irregularidades nos cadastros, que seguem sob apuração e podem resultar em exclusões.

O Incra afirma que o bloqueio foi realizado em dezembro. Contudo, documento da autarquia a que a Repórter Brasil teve acesso, de 13 de fevereiro, mostra que os três permaneciam como assentados, sem o bloqueio. Quanto às famílias sem terra acampadas à espera de lote, o Incra aguarda decisão judicial para retomar os assentamentos e prometeu providências para garantir a segurança dos beneficiários, com apoio de forças policiais.

As terras do norte de Mato Grosso são valiosas. O assentamento está próximo de municípios como Sorriso, Campo Novo dos Parecis, Sapezal, Nova Ubiratã, Novo Mutum e Diamantino, todos entre os maiores produtores de soja do Brasil. Uma área de 100 hectares dentro do assentamento vale até R$ 3 milhões, segundo estimativa feita há quatro anos pelo MPF.

"Lotes grandes, planos e com altos índices de produtividade, gerando a cobiça de um sem número de produtores rurais e de políticos locais, todos dispostos ao uso da força para estender seus domínios sobre as terras dantes voltadas à implementação da reforma agrária", descreve o MPF na ação civil pública que pede a reversão da posse dos lotes para o Incra.

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Comentários (3)

  • Piada |  14/05/2025 20:08:25

    Faz o L, povo burro

  • Ademir |  14/05/2025 20:08:16

    O que tem em MT de servidor público corrupto e olha agora , dentro de Defensorias Públicas, Ministério Público , Justiça aliada aos bandidos !!!!! Por isso o país está assim , sem Justiça coerente e certa e um monte de bandidos infiltrados na mesma !!!! Na SESP muitos assistentes sociais e policiais penais envolvidos com facções nos presídios, e nada da Polícia Civil e Governo investigarem!!! Façam o mínimo do mínimo de cartões, compras , e bens em nomes dos outros !!! Quando quer Governador pega sim eles , deixa dica !!!!

  • Leal |  14/05/2025 19:07:59

    Pois é??as terras despertam a cobiça? e a sem-terra ostentando em lanchas em Santa Catarina. É mole isso??

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