Opinião

Domingo, 20 de Abril de 2025, 13h12

Marcelo Senise

O Desafio Fatal: Quando a Viralização Mata e a Omissão Cobra Seu Preço nas Redes Sociais

Marcelo Senise

 

A trágica morte de uma criança em Brasília, vítima de um desafio online, não é apenas um caso isolado – é o sintoma de um sistema que falha na proteção dos mais vulneráveis. A resposta não pode ser uma censura, mas sim uma responsabilização urgente de quem cria, dissemina e lucra com o perigo.

A notícia chocou o país e expôs, mais uma vez, a face sombria da conectividade irrestrita: uma criança de apenas 8 anos, em Brasília, perdeu a vida ao inalar desodorante, causada por um "desafio" viralizado em plataformas como TikTok e Kwai. Essa tragédia não é um raio em céu azul. É a consequência direta de um ambiente digital onde a busca incessante por engajamento muitas vezes atropela a ética, a segurança e, neste caso, a própria vida. O episódio reaende, com força e urgência inadiáveis, o debate sobre a necessidade de limites e regulamentação para as redes sociais, mas nos coloca diante de uma encruzilhada crucial: como proteger sem censurar?

É inegável que qualquer menção à regulamentação das redes sociais dispara imediatamente sobre a liberdade de expressão. E aqui, minha posição é clara e radicalmente favorável a qualquer forma de censura . A livre manifestação do pensamento é um pilar inegociável de qualquer sociedade democrática. Contudo, é preciso afirmar com a mesma veemência: a liberdade de expressão não pode, jamais, ser confundida com uma salva-conduto para a irresponsabilidade, para a transmissão de conteúdos contraplacados ou para a indução de práticas que colocam vidas em risco, especialmente as de crianças e adolescentes, cuja capacidade de discernimento ainda está em formação.

O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) definiu um modelo de responsabilidade para intermediários que buscam, justamente, equilibrar a liberdade na rede com a proteção de direitos. Ele prevê a responsabilidade das plataformas por conteúdo de terceiros apenas após ordem judicial específica. Embora fundamental para evitar a censura prévia e proteger o fluxo de informações, esse modelo se mostra dolorosamente insuficiente diante da velocidade e do alcance de desafios virais letais como o do desodorante. Esperar uma ordem judicial enquanto um vídeo perigoso se espalha exponencialmente é, na prática, assistir à tragédia em câmera lenta.

A ocorrência política ao caso de Brasília, com senadores como Damares Alves e Leila Barros cobrando explicação das plataformas e propondo a criminalização específica desses desafios, é um passo necessário, mas ainda tímido diante da magnitude do problema. Discursos e notas de repúdio não bastam. precisamos ir além. O caminho, a meu ver, não reside em controlar o que pode ou não ser aqui, mas em estabelecer mecanismos claros e eficazes de responsabilização para quem produz, impulsiona e lucra com conteúdos manifestamente perigosos.

Isso significa responsabilizar diretamente os criadores que idealizam e promovem desafios que atentam contra a integridade física e psicológica. Significa cobrar das plataformas digitais uma postura muito mais proativa e transparente na moderação desses conteúdos. Seus algoritmos, desenhados para maximizar o tempo de tela e o engajamento, acabam por criar câmaras de eco que amplificam o perigo, transformando "brincadeiras" mortais em tendências globais em questão de horas. As plataformas não são meros quadros de aviso; elas são arquitetas ativas do ambiente digital e devem ter cuidado compatível com seu poder e influência.

Projetos como o PL 4144/24, que tramita na Câmara e propõe responsabilizar os provedores por conteúdos falsos e desinformação, apontam na direção correta aos requisitos de sistemas de seleção e rotulagem. A discussão precisa avançar para incluir também a responsabilidade sobre conteúdos que, embora não necessariamente "falsos", incitem comportamentos de alto risco. Como boas práticas de moderação, que o envolvimento é claro nas regras, consistência na aplicação e direito à revisão, precisam ser uma norma, não uma exceção.

A morte desta criança em Brasília é uma ferida aberta em nossa sociedade conectada. Ela nos obriga a enfrentar a complacência com que tratamos os perigos do universo digital. A solução não veio de extremos – nem da censura que amordaça, nem da liberdade absoluta que abandona as vulnerabilidades à própria sorte. Ela não reside em equilíbrio difícil, mas necessário, entre garantir a livre expressão e exigir responsabilidade de todos os atores envolvidos. É hora de transformar a indignação em ação concreta, focada na proteção da vida e na responsabilização de quem transforma cliques em tragédias. Afinal, quantas vidas mais precisarão ser perdidas para que finalmente entendamos que a omissão também mata!

Marcelo Senise – Idealizador do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial, Sócio Fundador do Social Play e CEO da CONECT IA, Sociólogo e Marqueteiro, atua há 36 anos na área política e eleitoral, especialista em comportamento humano, e em informação e contrainformação, precursor do sistema de análise em sistemas emergentes e Inteligência Artificial.

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