Sexta-Feira, 06 de Junho de 2025, 13h17
Valéria Lima
Pejotização: liberdade contratual ou precarização do trabalho?
Valéria Lima
Há uma expectativa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) retome, no mês de junho, o julgamento de uma pauta que pode redesenhar o mercado de trabalho no país: a licitude da contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços, o que damos o nome de “pejotização”.
O tema ganhou destaque após uma decisão do ministro Gilmar Mendes, que, no dia 15 de abril, suspendeu todos os processos no país que discutem a existência de fraude em contratos de prestação de serviços. A pauta é motivo de preocupação para paralisar ações relevantes na garantia de direitos fundamentais.
Em Mato Grosso, a OAB-MT se posicionou apontando que a decisão do STF representa mais um passo no esvaziamento da Justiça do Trabalho, pois, ao tratar como cíveis relações que decorrem de vínculos de trabalho, desconsidera-se a pluralidade de formas laborais reconhecidas constitucionalmente.
Nós, que atuamos na área trabalhista e previdenciária, destacamos que a livre iniciativa, a livre concorrência e a proteção da ordem econômica são princípios constitucionais tão relevantes quanto a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, por isso é imprescindível garantir um sistema econômico que equilibre a liberdade individual com a justiça social.
Infelizmente, milhões de brasileiros podem ser afetados por uma decisão que flexibiliza a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O IBGE (2025) aponta para cerca de 32,5 milhões de trabalhadores contratados como autônomos (sem CNPJ) ou empregados sem carteira assinada no setor privado, o que representa 31,7% dos 102,5 milhões de empregados no país.
Esses números, referentes ao 1º trimestre deste ano, não consideram os 4,3 milhões de trabalhadores domésticos sem carteira assinada, os 2,8 milhões de trabalhadores do setor público sem carteira, nem os 816 mil trabalhadores sem CNPJ. Em 5 anos, o contingente de trabalhadores em situações precarizadas cresceu quase 10%, já que, no primeiro trimestre de 2020, eles somaram 29,7 milhões (dados do governo federal).
Afinal, o que há por trás de todos esses números? Pessoas que muitas vezes, na prática, são submetidas a jornadas exaustivas, de até 16 horas diárias, sem garantias mínimas, como férias anuais remuneradas, 13º salário, aviso prévio, salário-família, hora-extra, licença médica, seguro-desemprego, estabilidade em caso de acidente de trabalho, vale-transporte, licença maternidade e paternidade, estabilidade da gestante, pensão e proteção previdenciária integral.
A chamada “uberização”, “plataformização” e/ou “pejotização” do trabalho normalizou relações marcadas pela informalidade e pela desigualdade. Muitos casos, hoje em tramitação no judiciário, envolvem situações de trabalhadores que denunciaram propostas para criarem planos para simular a existência de um contrato civil e, assim, proteger direitos trabalhistas previstos pela legislação.
No meu dia a dia, vejo histórias reais de homens e mulheres adoecidos, que trabalharam anos sem qualquer proteção e agora enfrentam uma aposentadoria incerta. Jovens que, ao sofrerem acidentes, descobrem que não têm a quem recorrer. É justamente nessas horas que as leis trabalhistas mostram sua função essencial: equilibrar uma relação naturalmente desigual entre capital e trabalho.
Ao mesmo tempo em que o STF julga a constitucionalidade da “pejotização”, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já se posicionou de forma crítica, alertando para a desproteção social e para a ampliação de práticas fraudulentas. A Justiça do Trabalho, que deveria ser protagonista nesse debate, hoje está, em certa medida, silenciada por decisões que suspendem sua atuação.
Não se trata de “demonizar” novas formas de trabalho, mas de garantir que a inovação não sirva de desculpa para a precarização. O futuro do trabalho pode (e deve) ser moderno, mas precisa continuar sendo humano. Sigo acreditando no valor da justiça social. Até porque, a pejotização afeta outras políticas de inclusão, como o cumprimento de cotas para pessoas com deficiência e aprendizagem.
Além de gerar prejuízos principalmente para mulheres que, historicamente, já enfrentam mais dificuldades no mercado de trabalho por conta da desigualdade salarial, acesso a cargas de liderança e desproteção em relação à maternidade. Da minha parte, continuei defendendo cada trabalhador que me procura, porque, no fim do dia, são pessoas, não CNPJs. E embora haja desigualdades, há também quem lute por dignidade!
Valéria Lima, advogada graduada pela Unemat, especialista em Direito Previdenciário, Regime Geral (iniciativa privada) e Próprio (servidores públicos), terapeuta, coach e empresária.
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