Opinião

Segunda-Feira, 09 de Junho de 2025, 08h47

Cristiane Tessaro

Recuperação judicial: Solução?

Cristiane Tessaro

 

A recuperação judicial é, sem dúvida, um dos institutos mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro para a preservação da atividade empresarial. Criada para permitir que empresas em crise possam renegociar suas dívidas e manter empregos, tributos e produção ativa, a medida tem amparo legal e social. Mas o que poucos empresários sabem — ou só percebem tarde demais — é que o custo de uma recuperação judicial pode ser tão alto quanto as dívidas que a motivaram.

Nos últimos anos, houve um crescimento expressivo nos pedidos de recuperação judicial em setores diversos, do agronegócio à indústria, passando pelo comércio varejista. Muitos empresários, sufocados por dívidas e com dificuldade de acesso ao crédito, enxergam na recuperação judicial uma tábua de salvação. O problema é que esse processo está longe de ser simples — e, mais ainda, longe de ser barato.

Custo financeiro elevado desde o início

O primeiro impacto vem logo na largada: para convencer o Judiciário de que a empresa merece uma segunda chance, é necessário apresentar um diagnóstico completo e profissional do seu estado econômico. Isso significa contratar bancas jurídicas especializadas, consultorias contábeis e muitas vezes peritos independentes, tudo para estruturar um pedido minimamente plausível.

Esses profissionais — com razão — não custam pouco. Cobram pelos seus conhecimentos técnicos, experiência e responsabilidade. Além disso, há despesas com perícias prévias exigidas por alguns juízes, custas judiciais, honorários do administrador judicial, e uma série de desembolsos processuais e extraprocessuais que nem sempre são informados de forma clara ao empresário que busca socorro.

É nesse momento que muitos se dão conta de que a recuperação judicial não é um processo para quem está sem recursos. Paradoxalmente, é preciso ter fôlego financeiro para entrar com o pedido de soerguimento.

O sacrifício dos credores

Uma vez admitido o pedido, o foco se volta para o plano de recuperação, que precisa prever como os credores serão pagos. Para tornar viável o cumprimento desse plano, e sustentar o próprio processo judicial, muitos empresários propõem descontos drásticos — não só sobre juros e correções, mas também sobre o capital principal, contido no custo da mercadorias, insumos ou serviços já entregues.

Os cortes propostos em alguns planos chegam a 90% da dívida, incluindo carência de anos e pagamento parcelado em décadas. O resultado? Credores extremamente penalizados, que veem seu capital virar pó em nome de uma promessa de continuidade da atividade que, por vezes, jamais se concretiza.

E mesmo quando o plano é cumprido, o estrago está feito: o relacionamento com fornecedores se deteriora, linhas de crédito são cortadas e a confiança no modelo de gestão da empresa desaparece.

O custo invisível: psicológico e familiar

Outro ponto raramente debatido é o custo emocional da recuperação judicial. O processo desgasta o empresário. A pressão judicial, os embates com credores, a constante incerteza sobre o futuro, e o sentimento de exposição pública afetam profundamente a saúde mental de quem dirige o negócio. Em muitos casos, as famílias se envolvem — e sofrem — com o abalo na renda, na imagem e na rotina.

Além disso, enquanto durar o processo — que pode levar anos —, o empresário vive sob constante insegurança e vigilância judicial. Mesmo após a homologação do plano, é comum que reste um estigma: o de empresa em crise, o que encarece financiamentos futuros e dificulta a retomada do crescimento.

Recuperar é possível, mas exige mais que uma petição

É inegável que a recuperação judicial tem seu valor e deve ser preservada como instrumento jurídico. Mas ela não pode ser tratada como solução automática para todo e qualquer problema de endividamento.

Na maioria das vezes, o que se vê são empresas que chegaram à crise por falta de profissionalização da gestão, ausência de planejamento financeiro e decisões comerciais precipitadas. Sem enfrentar essas causas estruturais, a recuperação judicial se transforma apenas em um remédio amargo e ineficaz, que adia o inevitável colapso e transfere o prejuízo a terceiros.

Reflexão necessária

Antes de entrar em recuperação judicial, o empresário precisa fazer um cálculo honesto: o custo de se reerguer, muitas vezes, não está só nas dívidas a serem negociadas, mas no preço que se paga para sobreviver a todo esse processo. E esse preço pode incluir dinheiro, reputação, saúde mental, relações pessoais e até mesmo o futuro da própria empresa.

A solução existe — mas nem sempre é essa.

Cristiane Tessaro, advogada OAB/MT 12484-A, pós-graduada em Direito Constitucional com ênfase em Direito do Estado, atuante há 25 anos no Direito Empresarial, Cooperativo e contencioso de massa, nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Acre e Amazonas.

 

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