Polícia

Quinta-Feira, 07 de Agosto de 2025, 11h48

ENFRENTAMENTO

Delegada alerta para sinais que antecedem o feminicídio

Da Redação

 

No mês em que a Lei Maria da Penha completa 19 anos, o TRT Entrevista recebeu a delegada Janira Laranjeira, referência no enfrentamento ao feminicídio em Mato Grosso. Durante a conversa, a delegada falou sobre os altos índices de feminicídio no estado, os sinais que antecedem a violência física, as falhas na aplicação da Lei Maria da Penha e a importância da conscientização permanente, inclusive com ações voltadas aos homens.

A entrevista é parte da campanha Agosto Lilás, que mobiliza órgãos públicos e a sociedade civil para reforçar a conscientização sobre o tema.

Confira alguns pontos de destaque da entrevista

Por que é importante debater sobre a violência contra a mulher?

Essa pauta é de conscientização, é disso que nós precisamos, uma das frentes que precisamos avançar. Precisa ficar cada vez mais claro que a violência se combate todos os dias e todos somos responsáveis no combate dessa violência.

Mato Grosso lidera o ranking de feminicídios no país. O que esse dado revela?

Isso é assustador. Primeiro porque somos um estado interiorano, um estado “do mato”, como costumamos dizer. Apesar disso, somos um estado rico, conhecido por sua cultura e por exportar produção agrícola e pecuária. Mas, mesmo assim, não conseguimos avançar nas políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência doméstica. 

Precisamos parar, refletir e entender essa realidade: por que estamos nesse cenário? É fundamental debater o tema e, mais do que isso, criar políticas públicas que enfrentem de verdade essa violência que ocorre dentro dos lares.

A violência contra a mulher é muitas vezes associada apenas à agressão física. Mas existem outras formas de violência, certo?

Existem sinais de alerta que precedem o feminicídio,  são comportamentos como ameaça, controle, possessividade, restrição da liberdade, insultos, desconfiança, vigilância, até mesmo a obrigação de manter relações sexuais contra a vontade no relacionamento. Tudo isso são atitudes e crimes que vêm antes do feminicídio.

São atitudes que se encaixam na violência psicológica, que é, muitas vezes, a porta de entrada para outras formas de violência. O abusador, primeiro se mostra atencioso, afetuoso, presente, oferece presentes, carinho, tudo o que a mulher espera de um relacionamento. E, dentro dessa aparência de cuidado, começa a exercer controle: onde você está, com quem almoçou, ou se já voltou do trabalho. 

Ele também passa a criticar: sua roupa, sua forma de falar, sua mãe, sua família. E isso vai minando sua autoestima. A mulher, aos poucos, começa a acreditar que ele tem razão, que a mãe é chata, que a roupa realmente não está adequada. 

Há dados que comprovem essa escalada de violência?

Sim. Um estudo mostra que 98% das mulheres vítimas de feminicídio entre 2016 e 2017 haviam sido ameaçadas. Além disso, 20% das que foram assassinadas sofreram violência sexual no relacionamento, ou seja, foram obrigadas a manter relações sexuais contra a vontade. Esse tipo de abuso aumenta em 20 vezes o risco de feminicídio. E as ameaças aumentam esse risco em até 40 vezes. O estudo foi feito no Distrito Federal.

Por isso, é fundamental que a mulher consiga identificar esses comportamentos que antecedem o feminicídio. O uso de álcool ou drogas pelo agressor, histórico de agressão, mesmo que leve, tudo isso também representa risco.

Muitas vezes a violência não é percebida por quem está de fora. O que contribui para isso?

Muita gente diz: “mas ele nunca bateu nela” ou “ela não parecia machucada”. As pessoas esperam ver hematomas para reconhecer a violência. Mas há também o sofrimento emocional, que leva muitas mulheres ao suicídio. Elas vivem relacionamentos abusivos e, sem ver saída, querem cessar a dor de alguma forma.

Ninguém começa um relacionamento sendo agredida, antes da agressão física, há a destruição da autoestima, da liberdade, da segurança emocional. 

Podemos afirmar que quem grita, bate; e quem bate, mata?

Sim, é uma escalada. O feminicídio é um crime anunciado, os comportamentos abusivos são os primeiros sinais. O mais grave é que, muitas vezes, a família silencia ou naturaliza esses comportamentos. Vivemos em uma sociedade machista, que ainda impõe padrões: a mulher que deve se calar, se comportar, se vestir de determinada forma, que não pode rir alto ou beber na presença de outros homens, sob pena de ser julgada ou desrespeitada.

Esse tipo de cultura também se reproduz na internet?

Com certeza, basta observar, há muitos conteúdos ensinando o que é uma “mulher de valor”, como “conquistar um homem”, mas não vemos o contrário. Essa não é uma pauta feminista, é uma realidade cultural, a mulher ainda é colocada como objeto, submissa, aquela que deve agradar, servir, manter o lar.

Isso também é violência?

Sim, eu chamo de violências invisíveis. Veja a publicidade: quem aparece nas propagandas de carros ou bebidas? Mulheres com padrões físicos específicos. Isso reforça a objetificação da mulher, esse discurso chega às crianças, formando desde cedo a ideia de que o lugar da mulher é de submissão.

Nos lares, quem chega do trabalho e deita no sofá? O homem. E quem vai cuidar dos filhos e da casa? A mulher. Isso ainda é visto como natural, como “coisa de mulher”. É um padrão que reforça a desigualdade.

Vamos falar sobre a Lei Maria da Penha. Como a senhora avalia sua aplicação na prática?

A Lei Maria da Penha tem três pilares: proteção, educação e assistência. Para ser eficaz, precisamos trabalhar os três. É necessário aplicar medidas protetivas, educar a sociedade e oferecer assistência real à mulher. E é justamente nessas áreas que enfrentamos falhas.

Não basta entregar um papel à mulher com a medida protetiva. Apesar de ser um instrumento eficaz, muitas vítimas nem chegam a pedir proteção. Só 10% das mulheres denunciam. Em 2023, só em Cuiabá foram cerca de 9 mil medidas protetivas. Em todo o estado, mais de 18 mil.

O problema é: o que acontece depois? Muitas mulheres voltam para o agressor por falta de alternativas, como moradia ou renda. E o agressor? Quantos desses homens foram encaminhados a grupos reflexivos? Poucos. É preciso investir também na educação dos agressores, mostrar que aquele comportamento é abusivo.

Falar sobre violência apenas com mulheres é suficiente?

Não. Muitas vezes estamos falando com quem já sabe que sofre violência, a mulher já reconhece os sinais. O problema é que o homem, em geral, não percebe que está sendo violento, ele acha que está certo, que pode controlar a parceira porque é marido. Nós precisamos alcançá-los com educação e reflexão.

Como o Agosto Lilás contribui para esse enfrentamento?

O Agosto Lilás é um mês de mobilização nacional, que marca o aniversário da Lei Maria da Penha. É uma oportunidade de ampliar o debate, levar informação para escolas, empresas, hospitais, igrejas e comunidades. Mas não podemos tratar o tema só em agosto. A violência acontece o ano inteiro.

Precisamos de um planejamento contínuo. As unidades de saúde, por exemplo, recebem mulheres com sinais claros de violência, mas faltam políticas públicas que ofereçam proteção, escuta e apoio

Comentários (1)

  • Direitos Humanos |  07/08/2025 15:03:08

    Mulher morrer meu Deus do céu... Homem morrendo mais de 10 vezes: zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

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