Política

Sexta-Feira, 06 de Junho de 2025, 16h15

R$ 300 MILHÕES

CNJ investiga magistrado de MT por aceitar "fantasma" como dono de fazenda

João Ferreira está afastado do cargo por decisão do CNJ

LEONARDO HEITOR

Da Redação

 

O Ministério Público de Mato Grosso (MP-MT) encaminhou para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma reclamação feita por um advogado mato-grossense, que acusa o desembargador João Ferreira Filho de manter a posse de uma fazenda, avaliada em R$ 300 milhões, com base em documentos falsos. Segundo o jurista, o magistrado proferiu a decisão mesmo com apontamentos de que o autor do processo era uma pessoa fictícia, criada através de uma certidão de nascimento forjada.

No documento, o MP-MT aponta que a reclamação é fruto de uma denúncia feita pelo advogado Antônio João de Carvalho Júnior, onde ele relata que foi proposta uma ação, em Sinop, em 2010, por uma pessoa chamada Edison Martins Gomes. No entanto, esta pessoa sequer existiria, tendo sido sua criação baseada em documentos absolutamente falsos.

De acordo com o advogado, "Edison Martins Gomes" é, na verdade, Edson Ramos Camargo, que seria inclusive foragido da justiça após condenação por contrabando. A identidade falsa teria sido criada após ele fugir de uma delegacia, em São Paulo, com uma certidão de nascimento falsa sendo expedida no cartório de Aparecida do Taboado (MS).

Com o documento, ele pode tirar carteira de identidade e outros documentos, como CPF, título de eleitor, título de reservista, habilitação e até passaporte. Com isso, ele propôs a ação, utilizando inclusive um título de propriedade forjado, requerendo uma área de 2.420 hectares, que seria oriunda do desmembramento de uma fazenda de 10 mil hectares, realizada com falsas procurações dos legítimos proprietários.

Antônio João de Carvalho Júnior relatou que a fazenda foi vendida para o advogado Pedro Pereira de Souza por R$ 18 mil, em 2003, e que o jurista seria o real beneficiário do esquema, tendo inclusive a participação de seu filho, Diogo Biondo de Souza, na trama. Ele teria advogado para Edison Martins Gomes.

“A participação de Diogo Luiz Biondo de Souza como advogado da inexistente pessoa de Edison Martins Gomes em ações judiciais, que na realidade lhe favorecem, em conjunto com seu pai, como verdadeiro beneficiário, apontam o inequívoco conhecimento e participação no esquema fraudulento, especialmente porque se utilizou de documentos sabidamente falsos do seu constituinte, destacando-se a confecção de declaração de pobreza que instruiu a inicial para obtenção dos benefícios da justiça gratuita, cujo documento foi assinado por Pedro Pereira de Souza”, diz trecho da denúncia.

Nesta ação, os fraudadores conseguiram uma liminar de imissão de posse após um suposto pagamento de propina combinado com o advogado Roberto Zampieri, que teria atuado como intermediário na venda de sentença. Por conta desta decisão, eles passaram a ocupar a área, que teria na verdade 6 mil hectares, e está avaliada em R$ 300 milhões, tendo inclusive Diogo Biondo de Souza criado uma empresa no local.

No entanto, a ação foi julgada improcedente, mas mesmo com a determinação de reintegração de posse, Pedro Pereira de Souza e Diogo Biondo de Souza não desocuparam a área e apelaram da decisão. No entanto, os desembargadores da Segunda Câmara de Direito Privado se declararam suspeitos, sendo substituídos por novos julgadores.

“Novos desembargadores foram convocados e a apelação foi, então, julgada por quórum estendido, tendo o Des. João Ferreira Filho como relator, que de maneira assombrosa reconheceu a validade processual ao uso de documentos falsos e à figura inexistente de Edison Martins Gomes, em flagrante violação ao devido processo legal. Esta decisão, à luz das provas de falsidade documental é manifestamente ilegal e corrobora com os indícios robustos de compra de decisões judiciais, face a relatada existência de relação criminosa entre o advogado Roberto Zampieri (assassinado em 05/12/2023) e o Des. João Ferreira Filho.”, diz trecho do documento.

Na denúncia, o advogado aponta que apesar do esquema ter sido descoberto, a ação segue tramitando mesmo com polo ativo vago, a área não foi restituída em sua integralidade, e os autores da fraude seguem promovendo execuções contra os legítimos possuidores da área rural, acusando até mesmo acusando magistrados de crimes.

“Os desembargadores que participaram do julgamento do apelo, mesmo cientes dos elementos de falsidade e da inexistência jurídica do autor, omitiram-se na determinação de apuração penal ou revogação de decisões, o que configura prevaricação, além de possível conluio com a organização criminosa. As provas documentais, decisões contraditórias, registros bancários de pagamentos em favor dos envolvidos, e a própria confissão dos fraudadores, evidenciam uma estrutura criminosa com infiltração no Poder Judiciário estadual”, completou.

O documento foi enviado então pelo Subprocurador-Geral de Justiça Jurídico e Institucional do MP-MT, Marcelo Ferra de Carvalhoi, para o ministro-corregedor Nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques.

“Ao tempo em que registro os meus cumprimentos, considerando a existência de investigação neste Conselho em face do desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, João Ferreira Filho, sirvo-me do presente para encaminhar cópia integral da Notícia de Fato, instaurada a partir de representação formulada pelo advogado Antonio João de Carvalho Junior, que denunciou suposto favorecimento à uma das partes no julgamento do Recurso de pelo citado magistrado em conluio com o advogado Roberto Zampieri (assassinado em 05/12/2023), para conhecimento e providências cabíveis. Na oportunidade, registro que caso, ao final, sejam verificados atos que configurem improbidade administrativa, solicito a remessa de cópia do procedimento de investigação respectivo”, diz o ofício.

Bate boca em julgamento

Durante a votação de um recurso nesta ação, em abril, os dois advogados protagonizaram uma troca de farpas que precisou ser contida pelo desembargador Sebastião Barbosa Farias. Durante a discussão na Primeira Câmara de Direito Privado, Pedro Pereira de Souza chegou a relembrar que o colega adversário foi alvo de mandados de busca e apreensão durante as investigações do assassinato do também advogado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Mato Grosso (OAB-MT), Renato Gomes Nery.

Durante o julgamento desta terça-feira, onde era analisado um recurso que debatia os honorários da ação principal, Pedro Pereira de Souza relembrou que Antônio João de Carvalho Júnior foi alvo de um mandado de busca e apreensão na Operação Office Crime, deflagrada pela Polícia Civil para investigar o assassinato de Renato Nery.

Dias antes de ser morto, Nery propôs uma representação contra o colega na OAB-MT pedindo a abertura de um processo disciplinar no Tribunal de Ética da Ordem. “Não é à toa que nós vemos a polícia batendo dentro de escritório e fazendo busca e apreensão, tendo o nome conhecido na praça como escritório do crime. Quero deixar bem claro que este recurso não procede em todos os sentidos. O apelado já foi muito prejudicado nestes procedimentos processuais junto a este tribunal com este tipo de jogatina e piadas. Precisamos advogar com lealdade processual e não sair na imprensa fazendo piada e no outro dia ser manchete, como alvo de busca e apreensão sobre a temeridade de ter ceifado a vida de um advogado renomado neste Estado, sendo inclusive presidente da OAB-MT”, desabafou Pedro Pereira de Souza em vídeo que viralizou nas redes sociais.

Antônio João de Carvalho Júnior rebateu, na sequência. “Gostaria que me fosse concedida a palavra, para rebater as acusações feitas. O senhor fez referência a mim, que não sou parte no processo, sendo apenas advogado, e não teci nenhuma palavra a você. O senhor é um criminoso e irá responder na Justiça”, afirmou, mas sendo interrompido em seguida pelo desembargador Sebastião Barbosa Farias.

O magistrado, que era relator do recurso, cortou a fala do advogado, dizendo que não permitiria a réplica de Antônio João de Carvalho Júnior. “Estamos vendo que os ânimos estão insuflados, de modo que não vou conceder a vossa excelência que se pronuncie, porque sua manifestação provocará outra e temos bastante coisa para julgar”, disse o desembargador, encerrando a discussão.

Comentários (1)

  • Jhon Wick |  06/06/2025 19:07:35

    Até que enfim alguém com coragem para denunciar!

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