Uma ação por danos morais que tramita desde outubro de 2013 na 3ª Vara Cível de Cuiabá recebeu sentença favorável à parte autora, com direito a receber R$ 20 mil, mais juros, correção monetária e multas. Contudo, ao contrário de tantas outras demandas que tramitam no Poder Judiciário exigindo reparação por desavenças comerciais ou acordos não cumpridos, o processo chama atenção por ser uma “briga judicial” pouco comum em tribunais, mas envolvendo um tema corriqueiro: a violência doméstica. A sentença é do juiz Luiz Octávio Oliveira Saboia Ribeiro.
Trata-se de um ex-casal, no qual a mulher processou o ex-marido exigindo ser indenizada em decorrência de fatos relativos ao casamento de dois anos que eles mantiveram. Conforme a autora, no período em que conviveram juntos, compartilharam a vida amorosa e também profissional, pois ambos eram comerciantes e administravam juntos um mesmo comércio. Segundo a mulher, isso caracterizou-se “como um relacionamento público, contínuo e duradouro”.
Em audiência de medida protetiva realizada em 12 de abril de 2013, ambos reconheceram a dissolução da união estável e também da sociedade empresarial. Ao ajuizar a ação de danos morais, a mulher pediu que o ex-marido fosse condenado ao pagamento de R$ 100 mil em decorrência de violência doméstica com agressões físicas e também por ter, supostamente, divulgado fotos íntimas dela, por vingança, numa rede social.
Ao julgar o mérito da ação, o juiz Luiz Octávio Ribeiro só acolheu uma parte do pedido. Segundo ele, quanto aos danos morais concernentes à violência doméstica familiar sofrida, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento realizado sob o rito de recursos repetitivos, “é possível a fixação de indenização por danos morais, se houver pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória”.
Nesse caso, ele observou que a autora “suportou malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher, transtornos e aborrecimentos que lhe causaram sofrimento, fato que causa lesão à dignidade subjetiva da vítima, configurando danos morais. Assim, a condenação em danos morais se impõe”. A mulher juntou no processo, documentos relativos a outra ação tramitou na Segunda Vara Especializada de Violência Doméstica da Capital, na qual foi deferida medida protetiva a favor dela, incluindo o ex-marido agressor de se aproximar dela.
Também foi anexado boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil constando que o “suspeito ficou alterado com a vítima, no momento cuspiu no rosto da vítima, depois a agrediu com um soco no rosto, e empurrou a vítima até a porta, a qual fixou com lesão no braço direito”. O juiz Luiz Saboia observou ainda que foi garantida a proteção policial, quando necessário para a mulher. Segundo o magistrado, a indenização decorrente de violência doméstica e familiar afigura-se ínsito a sua própria condição de vítima, que "está naturalmente imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa". “No caso dos autos, a requerente foi humilhada e os abalos reverberaram no campo pessoal, profissional e na igreja onde frequentava à época, como a mesma declarou em seu depoimento pessoal dado em audiência”, diz a decisão
Em outra parte da sentença o juiz pontua que o fato de vítima ter sido obrigada a registrar boletim de ocorrência e suportado transtornos e angústias de toda ordem autoriza condenação do requerido ao pagamento de danos morais para compensar o crime praticado em ambiente doméstico. “Julgo parcialmente procedente o pedido formulado nesta ação de indenização por danos morais movida por (...) em desfavor de (...) para condenar o requerido ao pagamento de danos morais à reclamante, no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1%,ao mês, ambos a partir da data do arbitramento. Condeno o requerido ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa”, despachou o magistrado. A sentença é do dia 20 deste mês.
FOTOS SENSUAIS NO ORKUT
A mulher também buscou ser indenizada pela divulgação não autorizada de fotos sensuais em seu próprio perfil no Orkut, rede social que foi desativada de vez em 30 de setembro de 2014. Ela relatou que o ex-marido tinha senha do Orkut e se aproveitando desse acesso, após o término do relacionamento e diante das desavenças havidas, “postou fotos sensuais que eram tidas como segredo do casal, causando imenso constrangimento à autora”.
Disse que as imagens estavam num pendrive em posse do ex-marido e uma funcionária do comércio deles afirmou que seria ele o autor das publicações. Conforme a autora, o réu afirmou à mãe dela que postou as fotos por vingança. Disse ainda que um conhecido que estava online no momento visualizou as fotos, destacando que o ex-marido postou comentários, se passando por ela. No pedido, a mulher sustentou “que além dos danos morais pela exposição de fotos, sofreu danos decorrentes da violência doméstica, pelos sonhos destruídos e vergonha e constrangimentos sofridos”. Também disse que ficou “desmoralizada na igreja e na vida profissional” por causa da exposição das fotografias íntimas do casal.
No entanto, a mulher não conseguiu provar na Justiça que o marido tinha a senha dela do Orkut, e que seria ele o responsável por publicar as fotos após o término do relacionamento. Nesse caso, o juiz Luiz Octávio Oliveira Saboia Ribeiro afirmou não ser possível provar que foi o ex-marido que publicou as fotos no perfil da mulher e por isso não acolheu essa parte do pedido para ser indenizada.
Durante a tramitação processual, ele negou ter publicado as fotos e sustentou que não sabia a senha da ex-esposa e nem tinha ideia de quem publicou as fotografias. Argumentou ainda que a separação se deu em razão das dificuldades comerciais. Por sua vez, o magistrado ressaltou que no processos não há provas de que foi o requerido divulgou as fotos, principalmente por se tratar de divulgação na rede social da autora. “Mesmo sendo comum cônjuges compartilharem senhas, destaca-se que a manutenção do sigilo e guarda de informações pessoais, especialmente as senhas e contrassenhas de uso pessoal e intransferível e são de responsabilidade pessoal”, alertou o juiz.
Ele ainda ressaltou que cada usuário tem uma senha pessoal e intransferível para publicar e interagir dentro do ambiente do aplicativo. “Tal medida existe exatamente para facilitar a identificação do indivíduo responsável por uma eventual publicação infringente. Na hipótese, a requerente era titular da conta do Orkut onde as fotos foram divulgadas e, em tese, é responsável pela guarda e manutenção do sigilo da respectiva senha. A alegação de que não autorizou a divulgação das fotos quando imprescindível a inserção de senha para a sua postagem, aliado à falta de provas de que realmente fora o réu que divulgou as fotos, impossibilita a presunção da ocorrência do dever de indenizar”, escreveu o magistrado ao negar o pedido.