Cidades Quarta-Feira, 23 de Junho de 2021, 13h:00 | Atualizado:

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Enfermeira relata a tensão e vitórias em mais de 460 dias na linha de frente

 

Da Redação

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“Lembro do dia em que recebemos a primeira paciente com suspeita de covid (depois ela testou negativo): era junho de 2020; estamos apreensivos; há dias treinando e discutindo como agir. Fui eu que a atendi. Naquele momento, também fiquei apreensiva, mantive distância dela; vi no olhar dela o medo também. Nós, literalmente “escondemos” os pacientes que estavam na UPA, tiramos todos dos corredores e a levamos para o raio-x”.

O relato integra as memórias da coordenadora de enfermagem da UPA Sara Akemi Ichicava de Sorriso (420 km ao norte de Cuiabá), Janaína Cagnani Brasileiro, em mais de um ano de combate à pandemia.

É diante da tela do computador em que visualiza o estado de cada paciente que Janaína relembra um pouco dos mais de 460 dias na linha de frente. “Desde março estávamos nos preparando; todo dia era aquela sensação: como será se alguém positivar? Então recebemos a paciente na unidade em junho; o exame dela retornou negativo, mas despertou o alerta geral: começou, precisamos intensificar os cuidados e ser fortes para amparar quem chegar até aqui”.

Para a “Jana da UPA”, como ficou conhecida “depois de tanto andar defendendo e mostrando o trabalho da nossa unidade”, como ela mesma diz, esse período tem despertado várias emoções.

“No sábado chegamos a triste e lamentável marca de 500 mil vidas perdidas no país; 204 delas de sorrisenses, essas pessoas passaram aqui ou no Hospital de Campanha Municipal, estiveram nos hospitais regionais de todo o Estado e não conseguimos ver elas segurando a placa de “eu venci a Covid-19”; sentimos a dor de cada família”, frisa ao pontuar uma corrida por atendimento para os pacientes; instalações e credenciamentos de leitos de UTI pelo Estado e país afora.

Jana conta que a perda da técnica de enfermagem Juceli Pereira da Costa, a “Juce”, aos 37 anos ainda dói e mexe com a equipe. “A Juce e o esposo trabalhavam aqui; quando ela passou mal e precisou ser internada, ela queria permanecer aqui, onde trabalhava e conhecia a equipe. Fizemos o que podíamos pela Juce, mas ela teve que ser transferida; primeiro para o Regional aqui e depois precisou ser intubada em Sinop. Quando recebemos a notícia de que a Juce ainda lutado muito, mas não conseguiu vencer, desabamos”, conta.

Para Jana e a equipe, o dia sombrio, a espera pela despedida ainda são muito presentes. “E no dia seguinte era a equipe dela que estaria aqui de plantão. Achei que eles não tinham condições de vir; mas eles me procuraram e falaram: Jana só queremos autorização para vestir preto, nós estaremos aqui pela Juce”. Foi muito forte. Ainda é”.

A enfermeira destaca ainda vozes de outros pacientes que ecoam. Como uma senhora que não queria ser intubada. Naquele dia, uma equipe composta por várias pessoas, inclusive o secretário de Administração, Estevam Calvo, visitava a UPA. “Estava guiando a visita e me chamaram; corri para o leito da dona E. (o nome da paciente será preservado) com a doutora Priscila. A família decidiu pela intubação. Intubamos, fizemos de tudo, mas não conseguimos salvar”, diz.

Na volta para a sala, Jana se deparou com os visitantes aflitos, torcendo pelo sucesso dos procedimentos. “Estava arrasada; falei que havíamos perdido a batalha, a doutora Priscila veio aqui e chorou junto – nos abraçamos quando era proibido abraçar porque estávamos ligadas pela dor e queríamos ser fortes diante da família”, lembra. “As pessoas não são números, tem rostos, voz, família, sonhos”.

Diante do panorama que se desenhava, Janaína e a equipe fizeram uma projeção que foi repassada à Secretaria de Saúde e Saneamento. “Tínhamos apenas três cilindros de oxigênio, não havia chances de atender com isso".

Conforme Jana, "o secretário Luís Fábio viu a projeção e falou 'nós vamos conseguir'. Hoje nós temos essa estrutura maravilhosa que conta com um reservatório de 35 mil litros de oxigênio, um Hospital Municipal de Campanha atendendo 24 horas e uma ala de UTI exclusiva para atendimento da Covid-19 na UPA porque as autoridades acreditaram nos números que estávamos mostrando e batalharam por isso. Em nenhum momento duvidaram da capacidade da nossa equipe, do preparo e da meta de salvar vidas”, diz Jana ao citar o prefeito Ari Lafin, os secretários Luís Fábio Marchioro, Estevam Calvo, Devanil Barbosa, vereadores e todos “aqueles que viram, entenderam e respeitam o nosso trabalho”.

Se as memórias tristes insistem em aparecer, Janaína também faz questão de lembrar de vitórias. Respira fundo, encosta a coluna na cadeira, chacoalha a cabeça – como quem quer espantar um fantasma que insiste em ficar presente – e sorri por trás da máscara. “Quando vi a primeira pessoa segurando a plaquinha – que para muitos pode ser só uma folha de papel; meu coração disparou; era uma luz, era esperança”, fala emocionada.

“No início quando alguém testava positivo eu pensava: como substituir? Então enviava mensagens no grupo e logo seis, sete, até dez pessoas falavam “eu vou”. Entendi que viramos uma família e que a família da UPA estava unida para cuidar dos outros e para cuidar de si mesma”, opina. Na batalha, Jana conta com parceiros inseparáveis, como o colega de trabalho Alex Roberto Pinheiro, o “Alex da UPA”, que desde o início do combate divide as dores e conquistas com a colega. Além do Alex da UPA, Jana cita o companheirismo do coordenador de Atenção Especial em Saúde, Matheus Leandro Freiria; o ex-coordenador da unidade, doutor Fábio Júnior; a atual responsável, a médica Francieli Guarnieri e toda a equipe. “Sem a coordenação, os médicos, recepcionistas, técnicos, zeladores, equipes de plantão de enfermagem, fisioterapia, enfim, sem a nossa família e o apoio que recebemos de fora, não teríamos vencido tantas batalhas”, completa.

A instalação da Ala Covid-19 na UPA também marcou. “Saímos de um atendimento básico para hoje atender como uma emergência de verdade: desenvolvemos métodos para tornar mais eficazes os protocolos; passamos a intubar e estabilizar pacientes e dispomos da UTI se for necessário”, a mudança, segundo ela, alterou toda a forma de atendimento prestado na UPA.

Janaína também comemora a vacinação e os avanços da ciência. “Nunca imaginei quando era acadêmica, que passaria por uma crise sanitária dessas. Sempre tive muito interesse pela área sanitarista, buscava saber sobre a Gripe Espanhola, a Peste Negra, mas nunca imaginei viver”, salienta. “Hoje me sinto mais segura após ter sido imunizada; mas ainda temo contrair, ficar assintomática e levar para o meu filho, por exemplo”.

E é justamente pensando nos outros que a Jana da UPA faz um apelo: “se cuide, cuide de quem você ama. Já vi filhos desesperados por ido a festas e contraído o vírus e passado aos pais, avós. Por isso peço: se cuidem. Quem tiver oportunidade de ser imunizado, não espere, não pense duas vezes: confie na ciência, tenha fé em Deus que teremos dias melhores sim, mas faça a sua parte usando máscara, higienizando as mãos e evitando festas”, pontua.

“A luta segue e não é por uma vida, é por todas”, finaliza a enfermeira.

 





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