O diagnóstico tardio de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a falta de profissionais especializados contribuem para o aumento de prejuízos de funcionalidade, com impactos emocionais, econômicos e sociais. Para Dimitry Fernandes Kalinowski, mais conhecido como Dimy Piloto, e Washington Vasconcelos, analista judiciário do Poder Judiciário de Mato Grosso, essas barreiras ocasionaram danos no desenvolvimento de habilidades e isolamento social. Parte da história dos dois foi compartilhada por eles, durante o evento “TJMT Inclusivo: capacitação e conscientização em Autismo”, realizado em abril, em Cuiabá.
“Foi preciso a minha filha nascer para descobrir que sou autista”, contou Washington Vasconcelos, que também é pai atípico. Na trajetória do servidor público do Judiciário, os prejuízos causados pela falta de diagnósticos foram sentidos nas interações sociais. “Passei despercebido na escola e na sociedade, mas a custo de muitos problemas. Na escola, tinha notas boas, mas o comportamento era um desastre. Sempre tive poucos amigos e os poucos que fazia logo se esvaíam porque não conseguia manter uma conversa. Muitas vezes a minha forma de falar era vista como agressiva, enquanto para mim era natural: costumamos ser objetivos”, recorda.
A descoberta do TEA ocorreu aos 46 anos, ao mesmo tempo em que sua filha recebia o diagnóstico. Diante de uma plateia de quase duas mil pessoas, entre elas professores, magistrados e cuidadores, o servidor garantiu que a história de uma família que tem uma pessoa no espectro não é legal. “Não devemos romantizar o autismo”.
O desafio que começa com o diagnóstico soma-se a outros como a dificuldade de acesso a terapias, à educação e os preconceitos gerados pelo desconhecimento do tema.
“Autistas crescem e quando chegam à idade adulta muitas clínicas não atendem mais. Essa realidade não é só minha, é de todas as famílias atípicas, assim como a minha. Eu não queria ficar todas as manhãs em uma clínica, não queria entrar na justiça contra o plano de saúde para minha filha ser atendida, não queria que a minha filha fosse expulsa da escola e ter a matrícula recusada por ser autista”, desabafou Washington.
O servidor expressou crer na construção de uma sociedade mais preparada para acolher e incluir as pessoas com espectro autista. A Comunicação Alternativa e Aumentada (CAA) foi apontada como eficaz e necessária pelo pai atípico de uma jovem não verbal. A técnica, que pode ser usada na forma analógica ou tecnológica, auxilia pessoas com dificuldade na fala, escrita ou compreensão da linguagem na comunicação.
“Muitas vezes os autistas entram em crise por falta de comunicação e essa ferramenta ajuda muito no desenvolvimento e muitas prefeituras têm adotado nas escolas”. Ele completa reforçando a importância da formação de profissionais para serem aptos na condução do desenvolvimento das crianças e adolescentes. “Capacitação em autismo tem que acontecer o ano todo. Treinamento não é só ter boa vontade, é preciso ter conhecimento e estudar sobre o tema. Se não for assim, eu fico me questionando se a sociedade estará preparada para receber minha filha?”.
Evasão escolar
A falta de uma abordagem adequada nas unidades de ensino também gera prejuízos no desenvolvimento intelectual e social de crianças e adolescentes com TEA. Dimitry Fernandes Kalinowski, primeiro e único piloto com TEA no Brasil, tem colecionado conquistas nas pistas, com título de vice-campeão Light Mato-Grossense de Kart F4 2023. Já nos bancos das escolas, sua trajetória não foi agradável. “Minha experiência na escola não foi boa. O meio social tem muita gente. Fui diagnosticado com autismo no ensino médio porque não há crianças lá, só adultos”, relembra o piloto.
O comportamento mais recluso, o desinteresse por assuntos e descobertas dos colegas adolescentes fizeram de Dimy um alvo de agressões físicas e psicológicas, que o levaram tomar uma decisão: abandonar a escola.
Além dos problemas de convívio, o ambiente escolar em si ocasionou crises e desconfortos. “Estudei em escola pública e privada e um dos grandes problemas era o barulho. Eu ficava muito bravo e quebrava tudo que encontrava pela frente”, contou Dimy.
Dar mais atenção às necessidades de pessoas com autismo foi um dos objetivos do "TJMT Inclusivo: capacitação e conscientização em autismo”. Idealizado pela presidente da Comissão de Acessibilidade e Inclusão do Poder Judiciário de Mato Grosso, desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho, ela pontuou a importância de ampliar o conhecimento e o acesso à informação sobre o tema.
“O nosso trabalho é também acolher e criar espaços para formação e inclusão dessas pessoas. Esse cuidado é fundamental para evitarmos casos como o do Dimy e do Washington, que tiveram diagnósticos tardios e precisaram passar por situações que trouxeram prejuízo no desenvolvimento de suas habilidades, sejam elas sociais ou de formação profissional. Capacitar magistrados, servidores, professores, médicos e toda cadeia de profissionais que assistem esse público é permitir que eles tenham qualidade de vida e acesso ao que lhes é de direito”, avaliou a desembargadora Nilza Maria.
O projeto TJMT Inclusivo foi realizado nos dias 24 e 25 de março (Sinop e Sorriso, respectivamente) e 04 de abril (Cuiabá). Na capital, o evento apresentou o painel “Autismo em foco”, que contou com a participação do piloto Dimitry Fernandes Kalinowski (Piloto Dimy) e sua mãe de Branca Fernandes, além do servidor do PJMT Washington Hedder de Castro Vasconcelos.