A juíza Sinii Savana Bosse Saboia Ribeiro, da 10ª Vara Cível de Cuiabá, anulou uma dívida de mais de R$ 200 mil cobrada indevidamente de um morador de Cuiabá após levar o avô para atendimento emergencial em hospital privado da Capital. A magistrada considerou que a unidade de saúde agiu em "configuração de vício de consentimento por estado de perigo" ao fazer com que o neto assinasse documentos sem ler e pagasse R$ 5 mil com a condição de que o avô não seria internado às pressas. A decisão ainda cabe recurso.
Conforme os autos, em 5 de janeiro de 2021, W.A.Z. levou seu avô, L.C.Z. para atendimento médico emergencial. O idoso foi internado e, na ocasião, o neto teve de assinar documentos referentes à internação e realizar um depósito no valor de R$ 5 mil como pagamento inicial.
Ele alega que, diante da situação de saúde do avô, assinou diversos documentos como condição para o atendimento emergencial, sem ter lido o conteúdo. Relata que o quadro de saúde do paciente piorou, sendo necessária encaminhamento para Unidade de Terapia Intensiva (UTI), contudo, faleceu no dia 25 do mesmo mês.
Em maio de 2025, o neto recebeu uma cobrança do hospital no valor de R$ 222.691,40, e posteriormente descobriu que uma duplicata havia sido protestada em seu nome, embora tenha expressamente recusado o aceite e solicitado a especificação dos serviços prestados. Diante disso, a defesa dele requereu declaração de inexistência da dívida, a nulidade da duplicata e a condenação do hospital ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil.
Em sua decisão, a magistrada verificou “inequívoca a configuração de vício de consentimento por estado de perigo”. Em um dos depoimentos nos autos do processo, a recepcionista do estabelecimento confirmou que se a parte não assinasse, o avô não seria internado.
Foi revelado ainda a ausência de informação sobre custos aos acompanhantes, limitando-se a entregar os documentos para assinatura e esclareceu que mesmo quando o paciente não está inconsciente não se colhe assinatura do paciente, somente do acompanhante.
“Premido pela necessidade urgente de garantir atendimento médico ao seu avô idoso, em grave risco à vida, o autor viu-se compelido a aceitar as condições impostas unilateralmente pelo réu, sem possibilidade de negociação ou mesmo de compreensão adequada do alcance das obrigações que lhe estavam sendo atribuídas”, citou a juíza, que considerou abusiva a conduta da cobrança dos R$ 5 mil para confirmação da internação.
Para a magistrada, o hospital, ao exigir a assinatura dos documentos apresentados, em situação de extrema vulnerabilidade, "aproveitou-se do estado emocional do autor para obter vantagem manifestamente desproporcional" e a onerosidade excessiva da obrigação imposta (R$ 222.691,40) em relação ao valor inicialmente orçado e pago (R$ 5.000,00) contribui para comprovação da falha.
“Ademais, embora o réu tenha comprovado a prestação dos serviços hospitalares através das faturas apresentadas nos autos, a duplicata protestada carece de causa jurídica válida em relação ao autor, uma vez que este não possui responsabilidade pelo débito, conforme demonstrado”, menciona.
Diante disso, a magistrada julgou procedente declarar a inexistência do débito no valor de R$ 222.691,40, bem como a própria nulidade da duplicata, e condenou o hospital a pagar R$ 5 mil por danos morais e custas processuais e honorários advocatícios.