Cidades Sexta-Feira, 30 de Maio de 2025, 17h:52 | Atualizado:

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TJMT debate como formar gerações livres da violência contra a mulher

 

Da Redação

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Não basta dizer aos meninos que não se bate em mulher. É preciso ensiná-los que controle, ciúmes e silenciamento também são formas de violência. Mais que isso: é necessário que aprendam a respeitar, dividir, cuidar e conviver com o outro em igualdade. Essa é a essência do que foi discutido nesta sexta-feira (30 de maio) durante o evento “O Papel da Educação no Enfrentamento da Violência contra a Mulher”, realizado na Escola dos Servidores do Poder Judiciário de Mato Grosso (TJMT).

O evento organizado pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher-MT) reuniu magistrados, promotores, delegados, defensores, educadores e especialistas para discutir como a educação pode romper ciclos de violência que atingem meninas e mulheres em Mato Grosso, estado que figura entre os líderes nacionais em feminicídio.

Com linguagem acessível e muita vivência prática, os palestrantes destacaram a urgência da transformação cultural, que começa na infância, passa pela escola e precisa atingir toda a comunidade, com o objetivo de mostrar que prevenir a violência contra meninas e mulheres passa, obrigatoriamente, por mudar o que é ensinado e o que é tolerado dentro das salas de aula.

“Se a criança tem essa formação na escola, de respeitar o colega, o outro, saber que todos são iguais, que todos merecem respeito, dificilmente ele vai se envolver em uma situação de violência quando se tornar adulto”, defendeu a juíza da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de Cuiabá, Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa, membro da Cemulher-MT. “A gente quer tratar a causa, e não só o efeito. Porque não adianta ter a pena de feminicídio mais alta do Código Penal se mulheres continuam a morrer.”

O ciclo da violência começa antes do tapa

As palestras trouxeram com força uma realidade ainda pouco reconhecida: a violência física é o último elo de um ciclo que começa com o controle emocional, a manipulação e a naturalização da desigualdade entre os gêneros.

“A violência física é um sinal. O que vem antes é a violência psicológica, o controle, o ciúme, o domínio”, alertou a delegada Judá Maali Marcondes, da Delegacia da Mulher de Cuiabá.

Segundo ela, não basta ensinar que “não se bate em mulher”, se os meninos seguem aprendendo que precisam controlar as meninas para “serem homens de verdade”. “O ciúme excessivo não é amor. É crime. Controle não é proteção, é crime. E precisamos ensinar isso desde cedo”, reforçou.

Essa desconstrução de valores aprendidos como naturais é o verdadeiro desafio que a educação precisa enfrentar. “O relacionamento saudável se baseia na reciprocidade, não no poder. E isso se aprende. Mas hoje ainda ensinamos os meninos a dominar e as meninas a ceder”, acrescentou.

A escola como ponte de proteção e mudança

O ambiente escolar aparece como um dos primeiros espaços de revelação das violências domésticas. Crianças que convivem com esse cenário muitas vezes expressam o sofrimento no comportamento, no isolamento, na agressividade ou nas notas. “A violência psicológica é silenciosa, mas deixa marcas profundas. E a escola pode ser o lugar onde essa dor é percebida”, afirmou a promotora de Justiça Claire Vogel Dutra, da 15ª Promotoria Criminal.

Ela lembrou que o trabalho do educador vai além da transmissão de conteúdo. “O profissional de educação também é um parceiro na proteção. Ao identificar sinais de violência e encaminhar corretamente, pode-se salvar uma vida.”

Mas o papel da escola não é só curar, é também prevenir. A presidente da Academia Mato-grossense de Direito, Dinara de Arruda Oliveira, destacou que a forma como o gênero ainda é ensinado nas escolas remonta ao século passado. “A forma como se ensina matemática mudou. Mas a forma como se ensina a ser mulher e homem continua a mesma”, disse. “Ainda formamos meninas delicadas e meninos que não choram. E isso desemboca na violência que o Judiciário tenta conter depois.”

A pedagogia da igualdade

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A pedagogia transformadora passa por mudar a cultura escolar em sua essência. O juiz Marcelo Sousa Melo Bento de Resende, da 2ª Vara Criminal de Barra do Garças, trouxe um exemplo. “Até a organização de uma fila pode reforçar estereótipos. A divisão por gênero, o estímulo à liderança só nos meninos, os papéis de cuidado só para meninas, tudo isso ensina que há lugares diferentes para cada um. E há.”

Para ele, a punição sozinha não é suficiente. “Encaminhar alguém para o presídio não muda seu valor. O que muda o valor de um agressor é a reflexão, e essa reflexão pode começar na escola.” O juiz cita ainda um projeto que será implantado nas escolas para combater tudo isso na prática, uma mostra cultural em que estudantes vão produzir vídeos, redações e cartas sobre o enfrentamento à violência de gênero. “Queremos que o tema entre em pauta nas salas de aula e também nas famílias”, completou.

 O diretor da Escola Estadual Almira de Amorim Silva, Juliano Moreira Gonçalves, celebrou a iniciativa. “Esse projeto chega na hora certa. Os nossos alunos vivem essa realidade em casa. Discutir isso em sala vai impactar o que acontece dentro das famílias também.”

Quando o algoritmo ensina a odiar

A violência contra a mulher também se alimenta de ambientes digitais, como alertou a defensora pública de Mato Grosso, Rosana Leite Antunes de Barros. “Os algoritmos de redes sociais amplificam discursos misóginos. Jovens inseguros são capturados por comunidades de ódio que promovem a submissão feminina como verdade absoluta.”

Ela explicou como bolhas digitais têm propagado mensagens como “toda mulher gosta de homem que manda” ou “se ela se veste assim, é porque quer”. “A misoginia não é opinião. É violência. E precisamos combatê-la com educação crítica, que ensine meninos e meninas a identificar esse discurso e não reproduzi-lo.”

O papel da rede de proteçãoA Patrulha Maria da Penha, da Polícia Militar, também foi apresentada aos participantes. A capitã Denyse Pereira Valadão destacou que, quando a educação falha, a violência chega à polícia. “O ideal é que o problema seja percebido e enfrentado antes. E são os professores que estão na ponta, que veem o comportamento mudar, que ouvem o desabafo da criança. Eles são a chave.”

O evento reforçou que, para mudar a cultura de violência que mata mulheres todos os dias, é preciso começar do início. E o início é a escola. A juíza Ana Graziela sintetizou bem. “Se você está doente, não adianta só tomar remédio para dor. Precisa tratar a causa. A educação é o nosso tratamento de base.”

Entre debates e reflexões, o que ficou claro é que formar uma nova geração capaz de respeitar e conviver em igualdade não é utopia. É política pública. É urgência. É justiça.





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