Há mais de duas décadas, reportagens da TV Centro América ajudaram a transformar a realidade dos tuiuiús no Pantanal mato-grossense. Após mostrar a morte de dezenas de aves eletrocutadas por fios de alta tensão na Transpantaneira, a principal via de acesso ao bioma no estado, em Poconé, a 104 km de Cuiabá, a emissora contribuiu com a criação do ‘Projeto Rede Tuiuiú’, que até hoje preserva a espécie símbolo da região pantaneira.
A iniciativa, fruto da parceria entre ambientalistas e autoridades, é relembrada nesta reportagem especial que faz parte da série de reportagens do g1 em comemoração aos 60 anos da Rede Matogrossense de Comunicação (RMC).
O biólogo Dalci Maurício Miranda de Oliveira, especialista em aves, foi um dos responsáveis pelo projeto. Em 1995, ele começou a observar que muitos tuiuiús estavam morrendo eletrocutados ao baterem em fios de alta tensão desencapados. A espécie é a maior ave da planície, podendo chegar a 1,60 metro de altura e 3 metros de envergadura, além de pesar até 8 kg.
Na época, Dalci trabalhava com as aves na região, que é cortada pela rodovia estadual, e começou chamar a atenção de órgãos e da imprensa sobre o impato negativo na preservação da espécie. Ele explicou que a situação afetou a reprodução dos tuiuiús.
"O tuiuiú bota cerca de cinco ovos, mas, na época, apenas dois filhotes sobreviviam, em média. Com a situação das linhas de transmissão de energia, essa média caiu para zero porque os filhotes dependem do pai e da mãe para sua sobrevivência e, com a morte de um deles, os filhotes não tinham chance", explicou.
O ambientalista André Thuronyi, diretor da Associação de Defesa do Pantanal (Adepan), também alertou as instituições e a mídia sobre o problema. Observador de aves desde os ninhais, Thuronyi sempre foi engajado em causas ambientais, principalmente envolvendo o Pantanal mato-grossense.
"Esse era um problema que eu vinha observando desde os anos 70. Muitos morriam porque se enroscavam nos fios, devido ao tamanho e envergadura das asas. Era muito triste", relembrou.
A repórter Carmen Lúcia e o repórter cinematográfico Marcos Alves, da TV Centro América, foram até o local e mostraram o problema de perto, não só para Mato Grosso, como para todo o país. Pelo menos 60 tuiuiús morreram eletrocutados em um período de três anos, de acordo com o levantamento do especialista.
Segundo Marcos, a equipe foi ao Pantanal diversas vezes para acompanhar o caso. Ele relembrou do sentimento ao ver um tuiuiú se chocando com os cabos de energia elétrica.
"Era uma imagem muito triste de se ver, a ave símbolo do Pantanal fazendo o voo rasante na planície e se chocando com os fios de energia", descreveu.
A repercussão chegou ao Ministério Público de Mato Grosso (MPMT), que acionou as Centrais Elétricas Mato-grossenses (Cemat), concessionária de energia do estado na época, para tomar providências, com o objetivo de evitar as mortes das aves.
Dalci foi chamado para contribuir na elaboração de medidas de preservação e colaborar com o trabalho da equipe da Cemat, composta por Jane Santos, do Departamento de Meio Ambiente da Cemat, e o engenheiro Álvaro Dantas Neto, do Departamento de Distribuição de Energia Elétrica. Assim, em 1999, surgiu o 'Projeto Rede Tuiuiú', que apresentava alterações das linhas de transmissão de energia elétrica no Pantanal.
Os fios passaram a ser encapados aos poucos, devido ao valor de investimento, inicialmente de R$ 30 mil, que com a correção monetária atual daria mais de R$ 300 mil. Na época, apesar da concessionária afirmar que o valor era alto, ambientalistas acharam insignificante perto da riqueza das aves.
Além disso, o projeto também previu o aumento do espaçamento entre os fios, para que os tuiuiús não enroscassem as asas.
Após a implementação do projeto, Dalci passou a monitorar o local para verificar a efetividade das modificações. Ele relembra com orgulho do resultado positivo, que inclusive restaurou a média de reprodução dos tuiuiús.
"Esse é um trabalho de muito sucesso em termos de conservação da natureza. Conseguimos mostrar o problema, desenvolver o projeto e mostrar a efetividade", declarou.
Impactos permanentes
Posteriormente, o projeto foi replicado nos municípios de Barão de Melgaço, Cáceres, Luciara e Santa Terezinha.
Atualmente, Thuronyi possui uma pousada na região e acompanha as aves do Pantanal de perto. Segundo ele, o projeto traz impactos positivos até hoje na preservação dos tuiuiús.
"É muito raro ter um acidente desse tipo hoje em dia, o cenário melhorou 100%", afirmou.
Sobre o tuiuiú
O tuiuiú (Jabiru mycteria) com pernas longas, bico comprido, cabeça preta, corpo branco e uma faixa vermelha no pescoço. A ave é uma cegonha encontrada desde o sul do México até o norte da Argentina, onde 50% da população está no Brasil, principalmente na planície pantaneira.
Nos relacionamentos, os tuiuiús escolhem um único parceiro, como as araras. Ao longo da vida, o casal se reproduz e realiza os processos migratórios juntos.
A lei 5950/1992 definiu o tuiuiú como o símbolo do Pantanal. A medida defende a conscientização da população sobre a necessidade de preservação das espécies existentes no bioma.