A eleição para os 6,1 mil conselhos tutelares espalhados pelo Brasil, que definirá 30,5 mil representantes neste domingo, se tornou o novo palco da batalha travada entre políticos de esquerda e direita. Os dois grupos têm se articulado nas ruas, nas igrejas e na internet para emplacar seus favoritos nos órgãos colegiados municipais, encarregados de zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes quando há omissão da família, da comunidade ou do Estado. As vagas têm mandato de quatro anos e são definidas por eleições diretas em cada cidade. O último pleito, em 2019, atraiu 100 mil eleitores.
De um lado, a agenda dos conservadores tem foco em dar maior poder de tutela a pais e mães sobre as crianças — em contraposição ao que julgam ser uma interferência de organizações escolares e governos no seio familiar. Enquanto isso, grupos à esquerda querem que candidatos sigam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além de defenderem pautas como garantia de acesso ao aborto para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
Políticos que representam as duas vertentes ideológicas entraram em campo nos últimos dias para influenciar no processo. Eles enxergam na disputa uma oportunidade de eleger conselheiros com quem têm afinidades de princípios e, com isso, manter uma relação estreita com representantes sociais que têm acesso direto à ponta da sociedade.
Os deputados Tabata Amaral (PSB-SP) e Jilmar Tatto (PT-SP) enviaram um ofício ao prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, pedindo transporte público gratuito para facilitar o deslocamento de eleitores. A prefeitura informou que irá liberar as catracas de todos os ônibus da cidade amanhã, entre 7h e 18h, a pedido da Câmara Municipal e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, recomendou aos prefeitos que viabilizassem o passe livre para a eleição. Já o prefeito do Rio, Eduardo Paes, divulgou um vídeo na sexta-feira incentivando a população a votar.
Do outro lado, os deputados Gustavo Gayer (PL-GO), que foi gravado pedindo voto para candidatos conservadores em uma igreja evangélica, e Capitão Alden (PL-BA), para quem as crianças brasileiras estão em “perigo” por conta da mobilização da esquerda, têm se engajado. Eles são embalados pelo discurso de que a esquerda tenta implementar a agenda do que eles chamam de “ideologia de gênero”.
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) aparece em vídeos que circulam em grupos de WhatsApp defendendo a escolha de nomes associados à direita, endossando que “é muito importante a gente ocupar esse espaço”, e para as pessoas votarem “no candidato mais ligado ao conservadorismo”, para evitar que crianças sejam tuteladas “através de uma doutrina de esquerda”.
Em contraponto, a vereadora de Belo Horizonte Iza Lourença (PSOL) publicou um vídeo em que explica as atribuições de um conselheiro tutelar e diz que é “importante escolher pessoas comprometidas com os direitos de todas as famílias”.
Discórdia no Rio
Um retrato dessa disputa pode ser visto na campanha para cinco vagas do Conselho Tutelar da Zona Sul carioca, um dos 19 que serão renovados no município. O ponto de discórdia é a forma de lidar com crianças e adolescentes em situação de rua. Na atual composição, o Conselho fez duas representações para denunciar a truculência da PM. Mas uma das candidatas, alinhada a forças conservadoras, entende que a repressão é necessária.
Em chats de direita bolsonarista no WhatsApp e no Telegram, convocações para as eleições dos conselhos explodiram nas últimas duas semanas, com mensagens do tipo: “Não deixe seus filhos e filho dos outros nas mãos de qualquer um” e “enquanto você fica distraído, a esquerda decide pelo futuro dos seus filhos e netos”.
O militante conservador Thiago Cortês, que trabalhou na Câmara Municipal de SP com a vereadora Sonaira Fernandes (Republicanos) — hoje secretária de Políticas para a Mulher do governo de São Paulo — se dedicou a captar lideranças em igrejas evangélicas para convencê-las a se candidatar aos conselhos.
Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, Cortês e Sonaira conversam com pastores desde o ano passado para preparar lideranças religiosas e tentar ocupar esses espaços.
— Nós focamos em questões nacionais e esquecemos de ocupar espaço nos conselhos. A ideia é criar bolsões de resistência nos bairros, descentralizar a atuação da militância. É uma lição deixada pelo professor Olavo de Carvalho — afirma Cortês.
Evangélica, Sonaira publicou um vídeo na quinta-feira, para ser compartilhado em grupos de WhatsApp, convocando religiosos a votarem na eleição deste domingo contra o que chamou de intolerância religiosa e “cristofobia”.
No campo à esquerda, a campanha “A Eleição do Ano”, organizada pela rede Nossas e outras ONGs, recomenda candidaturas comprometidas com uma série de critérios. Entre eles estão a defesa da prioridade à manutenção dos vínculos familiares, com medida de abrigamento em último recurso (e sempre decidida com aval do Ministério Público), da participação popular na construção de políticas públicas para crianças e adolescentes e respeito à liberdade religiosa.
Entre as pautas que causam arrepios em bolsonaristas estão o respeito aos direitos da população LGBTQIA+, como o nome social de pessoas trans e a constituição de famílias homoparentais, e aos direitos sexuais e reprodutivos, incluindo garantia de acesso ao aborto legal para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
— Os conselhos vêm sendo sistematicamente ocupados por fundamentalistas de extrema-direita, numa vertente de igrejas evangélicas contrária à agenda dos direitos humanos — diz a ex-deputada Áurea Carolina (PSOL-MG), diretora-executiva do Nossas.
Passo a passo
Quando é a eleição? A eleição ocorrerá neste domingo em todo o Brasil, das 8h às17h.
Onde é possível votar? O local de votação pode ser consultado no site do Tribunal Regional Eleitoral ou da prefeitura.
O que é preciso para votar? Apresentar o título de eleitor e um documento oficial com foto, que pode ser o Registro Geral (RG), a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o passaporte ou a Carteira Profissional. Cada eleitor poderá votar em até cinco candidatos por Conselho Tutelar. O voto é facultativo.
Quem pode votar? Pessoas a partir de 16 anos, que estejam em dia com os seus compromissos eleitorais, podem votar no Conselho Tutelar da Subprefeitura onde têm o seu título.
Por que os políticos estão se engajando? Bolsonaristas afirmam que a a ideia é criar “bolsões de resistência” nos bairros, descentralizando a atuação da militância. Já a esquerda procura se contrapor a essa estratégia e emplacar suas pautas.