O almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, negou em interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF) ter afirmado que colocaria suas tropas à disposição do então presidente Jair Bolsonaro para que se levasse adiante um plano golpista. Ao responder questionamentos do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal sobre uma tentativa de golpe, ele confirmou ter participado de reunião no Palácio da Alvorada em que foi discutido o "cenário político e social" do país após as eleições e citou que um dos assuntos foi a possibilidade de implantação de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Em depoimento no mês passado, como testemunha na ação penal, o ex-comandante da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Junior afirmou que o ex-chefe da Marinha colocou as tropas da força "à disposição" do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao depor na Primeira Turma da Corte, o brigadeiro também afirmou que ele e o ex-comandante do Exército, Freire Gomes, estavam alinhados contrários as intenções do ex-chefe do Palácio do Planalto, e que Garnier tinha uma posição isolada. Em depoimento à PF em 2024, Garnier ficou em silêncio.
Questionado por Moraes, Garnier afirmou que não expressou sua opinião durante a reunião. — Não houve deliberações, e o presidente não abriu a palavra para nós, ele fez as considerações dele, o que pareciam para mim mais preocupações e análise de possibilidades, do que propriamente uma ideia ou intenção de conduzir alguma coisa numa certa direção. A única que eu percebi que era tangível e importante era a preocupação com a segurança pública, com a qual a GLO é adequada dentro de certos parâmetros — afirmou Garnier.
O almirante citou que, como militar, se ateve às suas funções enquanto ocupou o comando da Marinha e que, como subordinado, teria o direito apenas de cumprir ordens por escrito. Segundo ele, qualquer outra possibilidade são "ilações".
— A Marinha é extremamente hierarquizada e nós seguimos bem à risca o Estatuto dos Militares, que diz que a um subordinado é dado apenas o direito de receber por escrito uma ordem que ele receba e considere flagrantemente ilegal. Até que isso aconteça, para mim ilações, discussões, ouvi aqui coisas como conversa de bar. Eu era o comandante da Marinha, não era assessor político do presidente. Eu me ative ao meu papel institucional — disse ele.
A Primeira Turma do STF realiza nesta terça-feira mais uma etapa dos interrogatórios dos réus da trama golpista. A retomada dos depoimentos ocorreu com questionamentos feitos a Garnier.
Como não há previsão de horário para acabar, a expectativa é que os interrogatórios avancem para a maior parte dos seis réus que ainda não falaram. Nesta segunda-feira foram realizados os interrogatórios de Mauro Cid, primeiro a falar por ser colaborador, e Alexandre Ramagem. As oitivas são feitas em ordem alfabética.
Os depoimentos são conduzidos pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes. Os interrogatórios ocorrem na sala da Primeira Turma do STF, e todos os réus participam presencialmente, com exceção do ex-ministro Walter Braga Netto, que está preso preventivamente, no Rio de Janeiro, e por isso acompanha por videoconferência.
Almir Garnier é suspeito de ter concordado com um plano de Bolsonaro que poderia impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022. A defesa de Garnier, conduzida pelo advogado Demóstenes Torres, nega que ele tenha concordado com o plano golpista.
Durante a sessão, Moraes ocupa a cadeira da presidência da Primeira Turma. Os réus ficam sentados lado a lado, acompanhados dos advogados. Quando um interrogado é chamado, o acusado senta em uma mesa localizada à frente dos demais. Serão interrogados os oitos réus do primeiro núcleo da trama golpista. Além de Cid e Ramagem, que já falaram, fazem parte do grupo o ex-presidente Jair Bolsonaro, os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sério Nogueira (Defesa).
Nesta segunda-feira, em cerca de quatro horas de interrogatório, Mauro Cid afirmou que Bolsonaro alterou pessoalmente uma minuta de decreto golpista e que o almirante Almir Garnier chegou a colocar as tropas da força “à disposição” para apoiar um plano de ruptura institucional.
Cid também reafirmou ter recebido dinheiro em espécie do general Braga Netto, entregue dentro de uma caixa de vinho no Palácio da Alvorada, com destino ao major Rafael Martins de Oliveira, apontado como operador da tentativa de golpe.