O Tribunal de Justiça do Paraná emitiu um mandado de prisão contra uma mulher, mas usou o CPF de outra pessoa: o jornalista Leonardo Sakamoto, colunista do UOL. O mandado, de 3 de junho, foi incluído no banco de dados de pedidos de prisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Em São Paulo, o jornalista se tornou alvo de busca da PM (Polícia Militar).
Na manhã deste sábado, a caminho do UOL para apresentar o UOL News, o carro de Sakamoto foi parado duas vezes pela PM paulista, que apontou fuzis e pistolas contra o rosto do jornalista.
O CPF de Sakamoto não tem qualquer semelhança com o CPF verdadeiro da mulher, que foi condenada por homicídio. O CPF dela, inclusive, constou no processo da Justiça paranaense até janeiro de 2024, pelo menos. Em seguida, o caso entrou em segredo de Justiça.
Em algum momento, o CPF da mulher foi trocado pelo de Sakamoto. Todos os demais dados que constam no mandado — foto, RG, data e local de nascimento e filiação — pertencem à mulher.
É o CPF, no entanto, que é usado como referência para as buscas policiais. É improvável que tenha ocorrido erro de digitação, porque o CPF tem dois dígitos verificadores, gerados por fórmula matemática, justamente para evitar erros e garantir autenticidade.
Abordagens policiais em São Paulo
As abordagens policiais a Sakamoto ocorreram na rua da Consolação e na avenida Duque de Caxias, centro de São Paulo.
Os policiais informaram que o jornalista tinha um mandado de prisão em aberto por homicídio. Ao consultarem o registro, porém, verificaram que se tratava de uma mulher de 27 anos. O jornalista, que não tem nenhum mandato em seu nome, foi liberado.
Mas os dados de Sakamoto seguem vinculados ao mandado de prisão. Por isso, o jornalista ouviu dos policiais a recomendação de parar de usar seu carro, vinculado ao seu CPF, para não ser abordado novamente.
O mandado de prisão contra a mulher, usando o CPF de Sakamoto, foi assinado pelo juiz Sergio Decker, da vara criminal de Nova Esperança (PR). "Estou impedido de usar o carro e andar na rua porque corro o risco de ser preso pela PM por um crime com o qual não tenho relação alguma", diz Sakamoto.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo disse que "o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões apresenta um mandado de prisão expedido pelo Poder Judiciário do Paraná em nome de uma mulher, mas com o CPF do jornalista".
Afirmou ainda que "determinou a reconfiguração do sistema policial paulista para bloquear o erro do sistema federal, até que o Poder Judiciário do Paraná ou o CNJ corrijam o erro do lançamento". Os advogados do jornalista vão pedir a correção do CPF no mandado de prisão. Também vão solicitar que o erro seja comunicado a autoridades policiais de todo o país. Vão ainda entrar com um pedido de habeas corpus em favor do jornalista na Justiça do Paraná e de São Paulo. O Tribunal de Justiça do Paraná foi procurado, mas não se pronunciou. Em caso de posicionamento, o texto será atualizado.
Entidade pede apuração
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) pediu apuração sobre o caso. "O Judiciário e a polícia precisam explicar os procedimentos que foram adotados e como isso aconteceu. A alegação de erro não convence, tendo em vista que os números [de CPF] são muito diferentes", disse a presidente da entidade, KatiaBrembatti.
"Chama a atenção e causa preocupação o fato de a ação ser direcionada a um jornalista com marcante atuação crítica sobre a atuação policial. Sakamoto corre risco nessa situação e esse cenário precisa ser revertido imediatamente", afirmou Brembatti.
Nos últimos anos, Sakamoto tem sido vítima de ameaças de morte e violência. Já foi agredido fisicamente na rua mais de uma vez, recebeu ameaças de morte e se tornou alvo de campanhas forjadas de difamação.
O Ministério Público Federal e as Nações Unidas, da qual Sakamoto foi conselheiro em Genebra, já pediram investigações ao governo brasileiro sobre as ameaças e a violência contra o jornalista.