No dia 18 de setembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Habeas Corpus 185.913, decidiu pela possibilidade de aplicação retroativa do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).
A corte definiu que o acordo, introduzido pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), pode ser oferecido a réus em processos que ainda não transitaram em julgado, mesmo que tenham sido iniciados antes da vigência da referida lei.
O Acordo foi introduzido como uma medida despenalizadora, voltada para crimes sem violência ou grave ameaça e com penas mais brandas. Ele permite que o investigado, em vez de enfrentar um processo criminal, cumpra certas condições impostas pelo Ministério Público, como reparar o dano causado ou prestar serviços à comunidade.
A decisão do STF alargou o alcance dessa medida ao autorizar sua aplicação a processos iniciados antes da vigência da Lei Anticrime, desde que não haja sentença com trânsito em julgado.
Esse entendimento é de grande relevância, especialmente porque consolida o princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica.
Conforme o artigo 5º, XL, da Constituição Federal, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. O STF, ao reconhecer que o ANPP traz uma possibilidade mais favorável ao acusado, permitiu que essa medida seja aplicada a casos em andamento, reafirmando a proteção aos direitos fundamentais.
No julgamento, a Corte decidiu por maioria que ele pode ser oferecido mesmo sem a confissão do réu, algo que anteriormente era visto como um requisito.
Essa mudança reforça a flexibilização das exigências para o benefício, ampliando seu uso em ações já iniciadas, desde que a solicitação ocorra antes do trânsito em julgado. Ponto que foi amplamente discutido entre os ministros, prevalecendo o voto do relator, Ministro Gilmar Mendes.
Ele destacou que o ANPP é uma medida voltada para a eficiência do sistema de justiça, reduzindo a carga processual e incentivando a reparação voluntária do dano pelo acusado. E também sublinhou que, para casos iniciados após a vigência da Lei 13.964/2019, o Ministério Público deve se manifestar sobre a aplicação, antes do recebimento da denúncia, salvo quando houver uma modificação substancial na acusação durante o curso da ação.
A decisão teve grande repercussão, especialmente no que diz respeito ao impacto no volume de processos pendentes.
Segundo estimativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 1 milhão de ações penais podem ser afetadas. Esse cenário pode desafogar o Judiciário, permitindo que crimes de menor gravidade sejam resolvidos de maneira mais célere e eficaz, sem a necessidade de um processo penal completo.
É importante destacar que a decisão não produz qualquer efeito sob as condenações já transitadas em julgado.
Assim, a retroatividade do ANPP aplica-se apenas às ações ainda em andamento. Essa limitação visa garantir a segurança jurídica e evitar a revisão de sentenças que já cumpriram seu curso legal.
No entanto, para aqueles casos ainda em aberto, o Ministério Público deverá se manifestar motivadamente sobre a pertinência do acordo.
Nos casos em que for cabível, a proposta deve ser feita na primeira oportunidade em que o Ministério Público se manifestar nos autos.
Isso pode ocorrer por iniciativa própria, por solicitação da defesa ou por determinação judicial. Dessa forma, há uma ampliação no controle jurisdicional sobre a aplicação, garantindo que a medida seja considerada em todas as fases processuais, enquanto ainda houver margem para sua aplicação.
Outro aspecto relevante é a inclusão de uma norma que permite ao Ministério Público oferecer o acordo mesmo após o recebimento da denúncia, caso ocorra uma readequação dos fatos ou do enquadramento do crime. Isso garante maior flexibilidade ao sistema, possibilitando que situações em que o delito inicialmente considerado mais grave seja requalificado, permitindo a proposta do acordo em momento posterior.
A mudança reforça um movimento global de adoção de medidas despenalizadoras, que visam reduzir a superlotação carcerária e promover soluções alternativas para crimes de menor potencial ofensivo.
A expectativa é que, com a aplicação mais ampla, haja uma redução significativa no tempo de tramitação, especialmente em primeira instância, onde muitos casos apenas aguardam sentença.
Isso também pode reduzir o número de recursos em tribunais superiores, já que o acordo impede o prosseguimento da ação, desde que cumpridas as condições estipuladas pelo Ministério Público.
Com essa decisão, o STF oferece uma nova oportunidade para réus, assegurando que o ANPP possa ser utilizado como uma ferramenta eficaz de justiça restaurativa, permitindo que o acusado repare os danos causados e evite as consequências mais severas de um processo tradicional.
Huendel Rolim é advogado em Mato Grosso