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O filme ‘Joy O Nome do Sucesso’, inspirado na história Joy Mangano, é um típico conto de fadas capitalista: mulher batalhadora, ponto de equilíbrio de uma família disfuncional, leva a vida com dificuldade até ter uma grande ideia: tornar-se empreendedora e, superando pessimistas e parceiros de caráter duvidoso, transformar-se em um case de sucesso. A realidade pode ter sido bem assim, mas faltou um tantinho de visão crítica para o diretor David O. Russell nesta cinebiografia que é uma das estreias da semana no circuito de cinemas.
Russell já tinha uma carreira consolidada quando lançou o muito bom ‘O Vencedor’ (2010). A expectativa em torno de seus trabalhos seguintes subiu, mas foi caindo aos poucos, mesmo com a parceria de Jennifer Lawrence, a estrela da hora em Hollywood, vencedora do Oscar por ‘O Lado Bom da Vida’ (2012) e indicada por ‘Trapaça’ (2013) e agora ‘Joy’ (nos três casos dirigida por Russell). Essa é, aliás, a única indicação do novo filme no maior prêmio da indústria. Contempla a performance menos interessante da jovem estrela nos últimos anos.
Como todo o elenco (que inclui Robert De Niro, Bradley Cooper e o ator venezuelano Édgar Ramírez), Jennifer Lawrence é subaproveitada pela trama rasa que o diretor escreveu junto a Annie Mumolo. O foco de ‘Joy’ está todo na tal grande ideia de sua protagonista, que se revelou a primeira de muitas, impulsionando a criação de um verdadeiro império de utensílios domésticos de enorme sucesso comercial nos Estados Unidos.
Isso nos anos 1990, quando a calejada dona de casa já se aproximava dos 40 anos. Vale ressaltar que a intérprete doce e de rosto delicado tem apenas 25, o que escancara a distância entre a mulher real e a sua representação.
A personagem está em crise: o trabalho em uma companhia aérea não a faz feliz. Seu pai ítalo-americano (De Niro) e seu ex-marido músico (Ramírez), ambos caricatos, vivem de favor no porão de sua casa, e sua mãe (Virginia Madsen) não faz nada a não ser ver telenovelas. Joy deposita a frustração em um velho esfregão com o qual acaba se ferindo ao limpar a sujeira deixada por um copo de vidro que caiu no chão. Resolve criar um instrumento que o substitua. E o batiza de Miracle Mop – nome que não é citado no filme, provavelmente por questões legais.
A jornada entre o início da produção do objeto e as vendas em grande escala é longa. Tem seus episódios mais interessantes na relação da protagonista com o magnata de uma rede de televisão (Cooper) que veicula os chamados “infomerciais” – uma febre da época nos EUA, que chegaria ao Brasil nos anos seguintes com a popularização da TV a cabo e de canais como o Shoptime. O empresário, não por acaso, é aquele que tem a composição menos caricata entre os personagens em cena. Mas isso porque todos os demais, incluindo a viúva apresentada pelo pai da protagonista como sua nova namorada (Isabella Rossellini), são quase desprovidos de vida de tão artificiais.
Uma curiosidade para os brasileiros é a citação à canção ‘Águas de Março’, de Tom Jobim, que aparece diversas vezes na narrativa, porém cantada em espanhol pelo personagem de Édgar Ramírez. Venezuelano, brasileiro, castelhano, língua portuguesa: para o norte-americano médio, pode ser tudo a mesma coisa, mas, para fazer um bom filme, convém levar as diferenças em conta – seria um caminho para escapar dos chavões e dar profundidade à trama.
Gustavo Oliveira é jornalista. [email protected]