Opinião Quarta-Feira, 09 de Julho de 2025, 14h:41 | Atualizado:

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Fabricio Carvalho

A loucura lúcida de Dom Quixote

 

Fabricio Carvalho

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Neste final de semana o palco do Teatro da Universidade Federal de Mato Grosso se transformará num turbilhão de cores e movimentos. Ao lado da elegância e vigor da Cia. Paulista de Dança, uma das principais companhias do país, o Sesi Mato Grosso e sua Orquestra Sesi apresentam seu maior desafio artístico, a montagem do Balé “Dom Quixote”. A obra é algo que vai muito além da música e da dança. É um convite ao sonho, ao questionamento, ao desafio dos limites do real e, principalmente, ao reconhecimento de que a arte, num país tão desigual, ainda é um privilégio para poucos, quando deveria ser um direito de todos.

O balé Dom Quixote, inspirado no clássico de Cervantes, irá nos interpelar: será que o Cavaleiro da Triste Figura é assim tão anacrônico em 2025?

Cervantes nos apresentou Alonso Quijano, um fidalgo que, imerso em livros e delírios, embarca em jornadas onde moinhos se transformam em gigantes e camponesas em damas inalcançáveis. No balé, essa história é reinventada com a vibrante música do compositor austríaco Ludwig Minkus, em um cenário efervescente de uma Espanha popular. Lá, a paixão de Kitri e Basílio desafia as imposições sociais. Eles lutam por amor e liberdade, dramas tão antigos quanto atuais.

Mas e se os gigantes de hoje não tiverem hélices de vento, mas rostos de indiferença, de desigualdade, de preconceito? E se a loucura de Dom Quixote for, na verdade, uma lucidez corajosa diante de um mundo que insiste em negar justiça, sensibilidade e cultura? Um mundo onde a fome, o racismo e o preconceito seguem impedindo milhões de sonhar, enquanto o acesso à arte e ao conhecimento ainda é cercado por barreiras sociais e econômicas?

Existem “Dom Quixotes” caminhando entre nós.  São aqueles que ousam sonhar com um futuro mais justo, mesmo quando os “moinhos” da desigualdade, da intolerância e da descrença parecem intransponíveis. Os moinhos de vento de Dom Quixote podem parecer delírio, mas enfrentá-los é um ato de coragem — e, mais do que isso, um ato de sanidade. Porque aceitar o inaceitável, isso sim, é loucura.

E Sancho Pança? Esse amigo leal, com os pés fincados no chão e a barriga sempre a lembrar das necessidades concretas. Quantos “Sanchos” precisamos hoje? Gente capaz de equilibrar o sonho e a realidade, de transformar ideais em ações, sem perder a ternura nem o senso de justiça. Assim como a música e a dança se constroem no coletivo, nossos sonhos só ganham força quando se amparam em parcerias, solidariedade e ação conjunta.

Cuiabá recebe, com este espetáculo, um verdadeiro presente. É uma honra e um privilégio para nossa cidade ver músicos e bailarinos unindo talentos em um acontecimento cultural raro, que celebra a força da arte como resistência e esperança. Em tempos em que a cultura é vista por muitos como algo supérfluo, erguer a música e a dança como bandeiras de liberdade é, também, uma batalha contra os moinhos do descaso.

Quando a cortina abrir e os acordes de Minkus ecoarem, não estaremos apenas assistindo a um espetáculo. Estaremos diante de um espelho - um espelho que pode refletir os nossos próprios gigantes, as nossas paixões, as nossas lutas, a nossa capacidade de sonhar. Porque Dom Quixote não vive apenas nas páginas de Cervantes ou nas coreografias do balé. Ele persiste em cada um que se recusa a aceitar o mundo como ele é — desigual, excludente, hostil aos sonhos — e que enfrenta a aridez do cotidiano com poesia, com coragem, com esperança. Lutar por justiça, sonhar com liberdade, defender o acesso à cultura e à dignidade. Isso nunca foi anacrônico. É, e sempre será, nossa maior sanidade.

Talvez o maior legado de Dom Quixote — e da arte — seja nos lembrar que nunca é anacrônico lutar por justiça, sonhar com liberdade e defender, contra todos os ventos, a dança da esperança.

Fabricio Carvalho é Maestro e membro da Academia Mato-grossense de Letras @maestrofabriciocarvalho





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Comentários (3)

  • Citizenship

    Quinta-Feira, 10 de Julho de 2025, 06h51
  • Fabrício Carvalho é maestro. Um maestro sabe bem que cada músico e instrumentista de sua orquestra são, sozinhos, capazes de produzir música com ritmo e melodia, conforme seu talento e sua disciplina em aperfeiçoar-se no seu exercício contínuo de estudo. Mas, um maestro sabe muito bem que a resultante do exercício articulado e concatenado dos múltiplos instrumentistas atuando de forma coordenada sob seu comando produz mais do que a simples soma dos esforços individuais. A sinfonia tétrica do golpe que se tentou no país, sob o comando de alucinados que continuam articulando e agindo contra o país, contra nossa democracia e nosso sistema constitucional, fez-se com acampados, milicianos, espionagens, pneus ao centro como totens, quebradeiras e explosivos, com Déboras e Eduardos, com "Jaires" que nunca deveriam ter vindo, com soldadinhos de chumbo, coronéis e generais, que nunca se afastaram de uma defeituosa cosmovisão maniqueísta da guerra fria, que perderam, ainda que não saibam reconhecer. O que aconteceu no Brasil, sob o comando desafinado de Bolsonaro foi uma tentativa anacrônica de regresso do país ao pior de nossa história. E ainda há os que os continuem defendendo. Ignorância ou mal caratismo?
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  • Ademir

    Quarta-Feira, 09 de Julho de 2025, 23h26
  • É pura verdade , diga quem tu apoiou que está aumentado a desigualdade, a briga de classes , a miserabilidade aos milhões , cultura e dinheiro só pra atestados militantes que se fazem de mocinhos , mas na verdade estão no meio da sujeira, do lamaçal, da falta de caráter, da falta de hombridade e zelo pelo próximo, apoio a corrupção desenfreada fazendo o L e agora quer fazer rimas e poemas , dizer que é autodidata em apontar o dedo , mas está no mundo de fazer de contas , onde quer só e somente o seu , fecha os olhos pra corrupção desenfreada de quem apoiou e assina embaixo e como todos sem caráter não dizem nada desta situação agora de um país arrasado pelo seu egoísmo e luxúria !!! Somente sem caráter!!!
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  • Carlos Nunes

    Quarta-Feira, 09 de Julho de 2025, 17h00
  • Pois é, na estória tio QUIXOTE avistava moinhos, mas enxergava dragões. Tio XANDÃO avista Mulher com BATOM, enxerga Golpista. Como se tia DÉBORA, a cabeleireira, com seu BATOM, pudesse abalar os pilares da Democracia...o tal Estado de Direito...a República inteira. Quem acredita nisso? NINGUÉM. Tia DÉBORA é insignificante pra dar qualquer Golpe. JAMAIS DARIA. Tio FUX entendeu isso...deu pra tia DÉBORA pena de 1 ano e seis meses. Pena correspondente a VANDALISMO leve, light. Tio FUX viu Vandalismo. Tio XANDÃO viu GOLPE? Tio FUX avistou moinhos, enxergou moinhos mesmo. Tia DÉBORA, a cabeleireira, entrará pra História do Brasil, como a Mulher do BATOM.Uma das Mulheres mais perigosas do Brasil. Mulher com BATOM é um perigo. Quem concorda com isso? NINGUÉM.
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