A cadeia de custódia não se limita ao armazenamento físico da prova. Também passa pelo seu formato, sua integridade técnica e, sobretudo, pela possibilidade real de contraditório.
Entregar uma mídia inacessível à defesa é o mesmo que negar o acesso.
Não é incomum que arquivos digitais, especialmente extraídos de celulares, cheguem à defesa corrompidos, incompletos ou com formatos incompatíveis. Ainda assim, o processo segue. E pior: com condenações apoiadas em fragmentos que só o Ministério Público consegue manipular.
Não se trata de má-fé, na maioria das vezes, mas de despreparo institucional para lidar com provas digitais em ambientes adversariais.
O Judiciário muitas vezes ignora que uma planilha ilegível ou um vídeo que não abre têm o mesmo peso de uma folha arrancada do processo.
Prova acessível apenas à acusação não é prova — é narrativa. A paridade de armas exige condições técnicas mínimas para que a defesa possa explorar, confrontar, contextualizar.
O STJ já sinalizou isso. No HC 706.051/SP, anulou-se um julgamento de apelação exatamente porque a defesa não teve acesso ao conteúdo da mídia com dados extraídos de celulares.
O arquivo, embora juntado, estava corrompido. E mesmo assim, foi utilizado para sustentar a condenação.
O que está em jogo não é a estética do rito, mas a substância da defesa. Quando a prova é inacessível, o julgamento é injusto, ainda que formalmente impecável.
E a cada vez que se tolera esse tipo de vício, uma pergunta se impõe: estamos julgando com base em documentos acessíveis às duas partes ou em trechos sublinhados por quem teve o privilégio de “folhear” o processo completo?
Se a cadeia de custódia se rompe na etapa digital, a quebra não é só técnica, é constitucional.
*Huendel Rolim é Advogado, Mestre em Direito (IDP) e fundador da Huendel Rolim Advogados