Em um Estado que deveria zelar pela valorização do serviço público, os direitos dos servidores públicos de Mato Grosso são, muitas vezes, ignorados ou relativizados. No entanto, o que muitos esquecem é que esses direitos não são privilégios — são conquistas históricas, sustentadas por décadas de luta sindical, mobilização funcional e pelo próprio princípio republicano da dignidade no trabalho estatal.
O Estatuto do Servidor Público Estadual (Lei Complementar nº 4/1990) é a espinha dorsal que garante estabilidade, férias, licenças, aposentadoria e segurança jurídica ao funcionalismo mato-grossense. E ainda assim, muitos desses dispositivos seguem sendo tratados como “favor” do governo da vez.
A estabilidade após 3 anos de exercício efetivo, por exemplo, é essencial não apenas para proteger o servidor contra perseguições políticas, mas para garantir autonomia técnica frente à volatilidade de gestões. Ela está atrelada à boa avaliação de desempenho durante o estágio probatório. Ainda assim, vemos exonerações sumárias, desrespeito aos critérios de avaliação e arbitrariedades travestidas de "necessidade administrativa".
Outro direito que merece destaque é a licença-prêmio por assiduidade — um benefício duramente conquistado, que recompensa a permanência do servidor sem faltas injustificadas. Embora regulamentada por decreto (como o Decreto nº 90/2019), ela ainda sofre entraves burocráticos e “travas orçamentárias”, tornando o que é direito em raridade.
Nas férias anuais de 30 dias, há atrasos e acúmulos que se chocam com a própria finalidade do instituto: o descanso físico e mental do servidor. O que deveria ser regra se torna exceção em muitos órgãos públicos.
Quando falamos em remuneração, a Constituição é clara ao garantir irredutibilidade salarial e revisão anual. Mas o que se vê na prática são salários congelados, falta de recomposição inflacionária e servidores obrigados a arcar com custos crescentes de vida sem contrapartida. O adicional de insalubridade, as gratificações de função e os auxílios previstos em lei são, por vezes, tratados como "gastos supérfluos", quando na verdade são instrumentos de valorização e permanência.
E quanto à previdência? A aposentadoria dos servidores, cada vez mais atingida por reformas que ampliam exigências e reduzem benefícios, enfrenta a falta de clareza e celeridade. O servidor que dedicou décadas ao serviço público não pode ser tratado como "peso" para o Estado — é patrimônio humano de uma estrutura que se sustenta no trabalho anônimo de quem mantém escolas, hospitais e serviços funcionando.
Não bastasse isso, o processo disciplinar, que deveria ser um instrumento de justiça interna, muitas vezes é usado para intimidar, perseguir ou “enquadrar” quem ousa denunciar ilegalidades. A Lei Complementar assegura que o servidor deve ser remanejado sem prejuízo salarial até julgamento final, mas nem sempre isso é respeitado. Há quem sofra retaliações antes mesmo de se defender.
Estamos diante de uma encruzilhada: ou o Estado de Mato Grosso reafirma o valor dos seus servidores, ou alimentará a máquina de desvalorização, adoecimento e evasão funcional.
Um Estado justo começa pelo respeito a quem serve. E servidor público não é inimigo, peso morto ou estatística fiscal: é guardião da cidadania, da saúde pública, da educação e da justiça social. Defender seus direitos é defender o próprio Estado Democrático de Direito.
Paulo Lemos é advogado especialista em Direito Público-administrativo e Eleitoral, entre outros.
Thiago
Segunda-Feira, 14 de Julho de 2025, 02h38