Em um país profundamente desigual como é o Brasil, impossibilita falar (de maneira honesta) em igualdade de condições, de chances, de possibilidade de alçar a determinadas posições de poder. Aqui, precisamente quanto ao debate de gênero, essa disparidade se acentua.
Já não são impressões, tampouco pessoais. Dados reiterados apontam que as mulheres não só ganham menos do que os homens para os mesmos cargos, mas que trabalham mais e possuem maior qualificação técnica. Significa dizer que, apesar de estudarem mais, produzirem mais, recebem menos. É uma conta que não fecha.
O relatório mundial sobre desigualdade de gênero indica que o Brasil vem caindo posições no ranking. Em 2020 ocupava o 92º lugar e em 2022 caiu para 94º, dentre 146 nações.
O âmbito do poder judiciário espelha esse mesmo parâmetro desigual. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apurou em 2019 índices de participação feminina que, excetuando-se a Justiça do Trabalho, em nenhuma esfera dos Tribunais e Tribunais Superiores a participação feminina chega a sequer 30%.
Essa mesma pesquisa apurou que de 1930 a 2020 apenas 10 presidentas foram eleitas nas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil. Em 90 anos, 10 presidentas, sendo que 05 delas foram eleitas nas últimas eleições de 2021.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), após contar com uma representativa feminina de apenas 24,69% no triênio de 2018/2021, com a implementação da Paridade em 2022, agora possui 50% das cadeiras ocupadas por mulheres.
Convém destacar que as mulheres são maioria na advocacia. De acordo com o Conselho Federal da OAB, do total de 1.319.357 inscritos, mais de 51% são mulheres.
O poder judiciário também vem implementando medidas visando reequilibrar essa conta. Muito recentemente o CNJ em decisão unânime e histórica aprovou a paridade em prol da equidade na magistratura, determinando que as cortes do país adotarão listas exclusivas para mulheres, alternadamente com a lista mista tradicional, nas promoções pelo critério de merecimento.
A história dá conta de que, não fosse a aplicação da paridade de forma cogente, certamente os números anteriores de baixa representatividade persistiria.
As evidências históricas apontam que não se trata exatamente de competência, desejo e capacidade. Isso as mulheres possuem de sobra, mas tudo parece insuficiente, porque ainda não chegam lá. O leito do rio está sempre distante, por maior que seja o esforço em nadar.
Um estado de coisas de desequilíbrio sistemático, construído ativamente, com o atraso imposto à participação feminina nos espaços de poder, visto que, a título ilustrativo, foi autorizado que as mulheres pudessem estudar no Brasil apenas em 1879 e apenas com autorização de seu cônjuge ou genitores, em 1928 pela primeira vez uma mulher ocupa um cargo público no Executivo (Luiza Alzira Teixeira), e direito ao voto data de 19346, são evidências que indicam que não são superados de forma passiva, natural.
Nenhuma medida ou ação afirmativa tem a pretensão de se perpetuar. Alcançando índices que apontem para um cenário de equilíbrio, essas medidas devem ser revisadas. Esse é o espírito de sua razão de existir, sob pena de reproduzir novas formas de desigualdade.
Por maior que sejam os auspícios por igualdade, se não houver adoção de medidas efetivas que contemplem a paridade como corolário da igualdade material, o desequilíbrio de representatividade impera.
Medidas de inclusão, como a paridade, produzem efeitos de difícil captação precisa, porque se espraiam no âmbito social, cultural e ressoam como expressão da mais completa ideia de democracia. Real, palpável, que prestigia a cidadania e refletirá no futuro hoje construído. A adoção da paridade se apresenta como medida de justiça e de necessidade.
Seccionais que já adotaram a paridade na lista sêxtupla: OAB/MG, OAB/MA, OAB/BA, OAB/MS, OAB/SP, OAB/PA, OAB/PE.
Por Kamila Michiko Teischman é Advogada, Conselheira Estadual da OAB/MT. Mestranda em Política Social pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso.