Opinião Segunda-Feira, 23 de Junho de 2025, 12h:25 | Atualizado:

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Nilma Novais

Tratamento do alcoolismo quer prática de intervenções integradas

 

Nilma Novais

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Em distintos contextos familiares, é possível observar a incidência de indivíduos que apresentam dificuldades associadas ao uso abusivo de substâncias psicoativas, sejam elas lícitas, como o álcool e os medicamentos controlados, ou ilícitas, como as drogas ilegais. Nesse sentido, o alcoolismo representa, na atualidade, um dos principais desafios no campo da saúde pública, em função de seus impactos sociais, econômicos e clínicos amplamente documentados. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza a dependência de álcool como: "A síndrome de dependência do álcool é um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que podem se desenvolver após o uso repetido de álcool.” 

A dependência do álcool é compreendida como uma enfermidade crônica e multifatorial, cuja etiologia envolve a interação de determinantes biológicos, psicossociais e comportamentais. Entre suas principais manifestações destacam-se: (1) o desejo intenso ou compulsivo de consumir a substância; (2) a dificuldade em controlar a frequência e a quantidade do consumo; (3) o aumento progressivo da tolerância (4) a manutenção do uso contínuo ou recorrente, mesmo diante de prejuízos físicos, emocionais e sociais significativos; e (5) o surgimento de sintomas característicos da síndrome de abstinência quando há tentativa de interrupção ou redução do consumo 

Nesse cenário, Kurt Lewin (1948) propôs um modelo de mudança em três etapas: descongelamento, mudança e recongelamento. Fases que se revelam particularmente pertinentes à compreensão dos processos de transformação vivenciados por indivíduos em contextos de recuperação da dependência alcoólica, como nos Alcoólicos Anônimos (AA). A primeira etapa consiste na ruptura com padrões comportamentais arraigados; a segunda envolve a experimentação de novas condutas; e a terceira visa estabilizar essas mudanças, integrando-as à identidade do sujeito. A aplicabilidade desse modelo ao contexto dos AA revela a importância do ambiente acolhedor e do suporte grupal como elementos facilitadores de mudanças, destacando o papel dos vínculos afetivos na consolidação de trajetórias de reabilitação. 

Entende-se que na dependência do álcool, tem destaque o caráter ambíguo da substância, que proporciona prazer e sensação de poder, atuando como um recurso para enfrentar situações difíceis. No entanto, com o uso recorrente e o aumento da quantidade consumida, o álcool deixa de ser fonte de bem-estar e passa a causar prejuízos significativos em diversas esferas da vida: afetiva, familiar, social, profissional e física. O declínio é progressivo e afeta não apenas o indivíduo, mas também os que convivem com ele, gerando sofrimento emocional, instabilidade nas relações e até episódios de violência. 

Internamente, o usuário sofre com doenças mentais, frustrações, sentimentos de impotência e, em muitos casos, continua bebendo apenas para aliviar os sintomas da abstinência, não mais por prazer. Apesar da gravidade do quadro, mudanças são possíveis. Para tal, deve haver a aceitação e adesão ao tratamento. Nesse cenário, a abordagem terapêutica deve ser multidisciplinar e contínua, envolvendo profissionais da saúde mental, apoio familiar e grupos de ajuda mútua como os Alcoólicos Anônimos (AA). 

O tratamento visa a abstinência total, já que não há evidências científicas de que pessoas com dependência possam retomar o consumo moderado, em razão das alterações neurobiológicas causadas pelo uso crônico. Além disso, é imprescindível o tratamento simultâneo de comorbidades psiquiátricas, utilizando inclusive medicação, tanto para esses transtornos quanto para amenizar os efeitos da abstinência. A articulação desses recursos é fundamental para romper com o ciclo da adição e restaurar a qualidade de vida do indivíduo e de sua rede de apoio. 

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e os Alcoólicos Anônimos (AA) configuram-se como abordagens complementares de reconhecida eficácia no tratamento da dependência do álcool. No âmbito da psicologia clínica, a TCC tem se destacado por seu caráter diretivo e colaborativo, promovendo a motivação para a mudança a partir do estabelecimento de metas terapêuticas claras e da reestruturação de crenças disfuncionais. Essa abordagem visa, ainda, o fortalecimento de habilidades de enfrentamento, a resolução de problemas e a prevenção de recaídas, componentes essenciais no manejo da adição. 

Paralelamente, a participação em grupos como os Alcoólicos Anônimos tem se mostrado uma estratégia eficaz de suporte emocional e social. O processo de ingresso no grupo pode ser inicialmente marcado por resistência e desconforto, especialmente devido à percepção de diferença em relação aos demais membros. 

Pode-se afirmar que a estrutura fraterna do AA, baseada no acolhimento, no compartilhamento de experiências e na identificação mútua, favorece a construção de vínculos, o sentimento de pertencimento e o compromisso com a sobriedade. 

Enfatiza-se que a organização do AA é autônoma e autossustentável, recusando apoio financeiro externo, o que reforça o senso de responsabilidade coletiva entre os membros. A rotina do grupo, sustentada por tarefas compartilhadas e reuniões regulares, presenciais ou virtuais, abertas e fechadas promovem um ambiente de confiança, solidariedade e engajamento. Ademais, o AA estende seu acolhimento a familiares e amigos dos alcoolistas, reconhecendo o impacto sistêmico da dependência e a importância do suporte ampliado para o êxito do tratamento. 

Tais estratégias estão alinhadas com os estudos de Lewin (1948), “o comportamento humano é fortemente influenciado pelas normas sociais e pela dinâmica grupal”, o que reforça a ideia de que indivíduos reunidos em grupo apoiam-se mutuamente, ampliando sua capacidade de resolver problemas, estimular a criatividade e desenvolver habilidades coletivamente (LEWIN, 1948). 

Ao longo de minha trajetória profissional, acumulei experiências significativas no acompanhamento de pessoas em situação de dependência alcoólica, nomeadamente por meio da atuação conjunta com os Alcoólicos Anônimos (AA). Em diversas ocasiões, participei de reuniões abertas da irmandade, com o intuito de oferecer suporte a pacientes e colaboradores que, por diferentes razões como resistência, negação ou desconhecimento, não se sentiam motivados ou preparados para buscar ajuda por conta própria. 

Minha prática profissional guiou-se por dois eixos: a Clínica e a Organizacional. No contexto de Recursos Humanos, acompanhei diversos colaboradores cuja competência técnica, dedicação e bom relacionamento interpessoal contrastavam com os impactos negativos provocados pela dependência do álcool. Apesar de serem trabalhadores respeitados, os episódios frequentes de absenteísmo e as advertências decorrentes de embriaguez comprometeram significativamente seu desempenho profissional, demandando intervenções mais estruturadas e eficazes, como a participação no AA. 

Em cenário clínico, vivenciei o sofrimento profundo de indivíduos que, mesmo fragilizados emocionalmente e frequentemente atravessando ciclos de abstinência e recaída, buscavam reconstruir suas vidas com coragem e determinação. Muitos deles chegavam ao atendimento sem esperança, mas sustentavam, mesmo que com dificuldade, o desejo de transformação pessoal. É especialmente relevante destacar a atuação de mães que, movidas por uma força sobre-humana, persistem incansavelmente na luta pela recuperação de seus filhos. Essas vivências reiteram a importância de abordagens integradas e do apoio contínuo à rede de suporte familiar, fatores cruciais para a efetividade do processo terapêutico e da manutenção da abstinência. 

Referências LEWIN, Kurt. Resolving social conflicts: selected papers on group dynamics. New York: Harper & Brothers, 1948. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório mundial sobre álcool e saúde 2022. Genebra: OMS, 2022. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240059286. Acesso em: 13 jun. 2025

Nilma Guimarães Novais é psicóloga





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