O desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Rui Ramos, remeteu no dia 26 de fevereiro ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região processo em que a deputada estadual Luciane Bezerra (PSB) é acusada pelo Ministério Público Estadual (MPE) de falsificar documento de Autorização para Transporte de Produto Florestal (ATFP) com o intuito de ludibriar a fiscalização do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). Também são réus na mesma ação penal o irmão da parlamentar, Fernando Manoel Borba Azoia, e a empresa Lofer Indústria e Comércio de Madeiras Laminadas e Compensadas LTDA.
A pena para falsificação de documentos públicos, conforme previsto no artigo 304 do Código Penal, varia de dois a seis anos de reclusão e mais pagamento de multa. A denúncia foi oferecida no dia 15 de outubro de 2009 pelo MPE e recebida pela juíza da 2ª vara de comarca de Juara em 03 de novembro do mesmo ano.
Em 19 de julho de 2012, o processo foi remetido ao Tribunal de Justiça pelo fato de Luciane Bezerra ter sido eleita deputada estadual, em 2010. Eleita para o primeiro mandato de deputada estadual, Luciane Bezerra detém base eleitoral em Juara e é considerada uma das opções do PSB para ser candidata a vice-governadora na chapa da oposição encabeçada pelo senador Pedro Taques (PDT).
Se nãofor candidata a vice, a parlamentar disputará uma cadeira na Câmara Federal. A decisão do magistrado seguiu parecer do NACO (Núcleo de Ações de Competência Originária) do Ministério Público Estado, formulado pelo procurador de Justiça Hélio Fredolino Faust, que ressaltou o foro privilegiado da parlamentar, levando a necessidade de remeter o processo à apreciação da Justiça Federal de segundo grau.
Confira a íntegra da decisão do desembargador Rui Ramos
Trata-se de ação penal proposta em desfavor da empresa Lofer Indústria e Comércio de Madeiras Laminadas e Compensadas Ltda., Luciane Borba Azoia Bezerra e Fernando Manoel Borba Azoia, pela prática, em tese, dos crimes previstos no artigo 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98 e artigo 304, do Código Penal.
A denúncia foi oferecida em 15 de outubro de 2009 (fls. 07 a 09), sendo recebida pela MMª. Juíza da Segunda Vara da Comarca de Juara/MT em 03 de novembro de 2009 (fls. 49).
A defesa preliminar foi apresentada às fls. 55 a 64, sustentando-se que a utilização de autorização para transporte de produto florestal (ATPF) falsa constitui infração penal que afeta diretamente os serviços de uma autarquia federal, no caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Assim, com fundamento no artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, alega que compete à Justiça Federal o processamento e julgamento do feito.
O magistrado de piso entendeu que as alegações defensivas não possuíam condições de ensejar a absolvição sumária, bem como não demonstravam a desnecessidade da instrução criminal. Diante disso, determinou a expedição de carta precatória para a oitiva das testemunhas de acusação e, com o retorno das mesmas, que os autos lhe fossem conclusos para designar a audiência de interrogatório dos acusados (fls. 68).
Em 15 de junho de 2011, na Comarca de Juína/MT, foi realizada a inquirição da testemunha Johnny Alex Drehmer (fls. 81). O Ministério Público pugnou pela desistência da oitiva das demais testemunhas (fls. 89).
A audiência de instrução e julgamento foi marcada para 23 de julho de 2012 (fls. 90), contudo, o ato foi redesignado para 08 de novembro de 2012, diante da apresentação de petição informando que o acusado Fernando Manoel Borba Azoia encontrava-se impossibilitado de comparecer por problemas de saúde (fls. 95 a 98).
O Presentante do Parquet manifestou-se, em 19 de julho de 2012, pelo desmembramento da ação penal e encaminhamento de cópia dos autos ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso em relação à acusada Luciane Borba Azoia Bezerra, em razão da sua prerrogativa de função por exercer mandato de deputada estadual (fls. 101).
Às fls. 106 e 107 foi acostada petição da empresa Lofer Ind. Comércio de Madeiras Laminadas e Compensados requerendo a anulação do processo a partir da expedição da carta precatória para a oitiva da testemunha Johnny Alex Drehmer, porquanto não houve a devida intimação dos acusados e tampouco do defensor.
Em 09 de janeiro de 2013 foi determinada a remessa dos autos a esta Corte de Justiça (fls. 113), sendo recebido no Departamento Judiciário Auxiliar em 16 de abril de 2013 (fls. 117).
Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, através do eminente Procurador Dr. Hélio Fredolino Faust, alegou que, de acordo com o artigo 80 do Código de Processo Penal, competiria a este Tribunal de Justiça decidir sobre a conveniência do desmembramento, razão pela qual pugnou pela avocação dos autos da ação penal nº. 90/2009, em trâmite na Segunda Vara da Comarca de Juara/MT (fls. 132 a 137).
O douto Relator, Desembargador Juracy Persiani, indeferiu o pedido (fls. 139 a 141).
Ciente do r. decisum, o eminente Procurador manifestou-se às fls. 144 a 146 TJ/MT pela nova oitiva da testemunha de acusação Johnny Alex Drehmer, uma vez que à época em que o ato foi realizado perante o Juízo da Terceira Vara da Comarca de Juína (15 de junho de 2011), a acusada Luciane Azoia Bezerra já havia sido diplomada como deputada estadual.
Através de decisão monocrática (fls. 148), o Des. Juracy Persiani repeliu a alegação da empresa Lofer Ind. Comércio de Madeiras Laminadas e Compensados, consistente na nulidade do processo por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que consta nos autos certidão de que “os defensores dos réus foram intimados da r. decisão de fls. 72 via DJE-MT, disponibilizado na edição n 8588 na data de 13/06/2011 (...)” (fl. 114). Entendeu, ainda, que não havia nulidade na oitiva da testemunha Johnny, tendo em vista que quando foi proferido o despacho de expedição de carta precatória o magistrado de piso era competente para o ato e, somente com a superveniente diplomação da ré Luciane é que se tornou incompetente. Assim, com fundamento no princípio da celeridade processual e na ausência de efetivo prejuízo a defesa, manteve a validade do depoimento.
Após nova vista dos autos, o eminente Procurador Geral de Justiça opinou pelo reconhecimento da prescrição e julgar extinta a punibilidade da acusada Luciane Borba Azoia Bezerra em relação ao crime ambiental previsto no artigo 46, parágrafo único, da Lei nº. 9.605/98, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal (fls. 161 a 163 TJ/MT).
O d. Relator acolheu o pedido, consoante decisão de fls. 165 a 167 TJ/MT.
O Procurador Paulo Roberto Jorge do Prado, cinte do r. decisum, pugnou pela continuidade da instrução processual, com a realização do interrogatório da acusada Luciane Borba Azoia Bezerra e, após, que se proceda de acordo com o artigo 10 da Lei nº. 8.038/90 para requerimento das diligências finais (fls. 176 TJ/MT).
Diante da aposentadoria do Desembargador Juracy Persiani, bem como em razão de o Desembargador Márcio Vidal estar exercendo a função de Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, os autos foram distribuídos a minha Relatoria, nos termos do artigo 61, §1º, do RITJ.
Levando-se em consideração que se trata de matéria de ordem pública, e que existem julgados, tanto do Supremo Tribunal Federal (v.g. RE 555453/PA, Relatora Ministra Cármen Lúcia; HC 85773, Rel. Min. Joaquim Barbosa) quanto do Superior Tribunal de Justiça (v.g. REsp 1006383/PA, REl. Min. Felix Fischer; REsp 896312/PA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima) reconhecendo a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento de ação penal envolvendo a apuração de crimes praticados com a finalidade de dificultar a atividade fiscalizatória de autarquia federal, como o IBAMA, determinei vista a douta Procuradoria Geral de Justiça para manifestação (fls. 179 a 180-v TJ/MT).
A douta Procuradoria Geral de Justiça, através do eminente Procurador de Justiça, Coordenador do NACO, Hélio Fredolino Faust, manifestou pelo declínio da competência no presente caso, com remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da primeira Região (fls. 183 a 188 TJ/MT).
II.
Como visto, trata-se de ação penal proposta em desfavor da empresa Lofer Indústria e Comércio de Madeiras Laminadas e Compensadas Ltda., Luciane Borba Azoia Bezerra e Fernando Manoel Borba Azoia, pela prática, em tese, dos crimes previstos no artigo 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98 e artigo 304, do Código Penal.
A denúncia foi oferecida em 15 de outubro de 2009 (fls. 07 a 09), sendo recebida pela MMª. Juíza da Segunda Vara da Comarca de Juara/MT em 03 de novembro de 2009 (fls. 49).
A defesa preliminar foi apresentada às fls. 55 a 64, sustentando-se que a utilização de autorização para transporte de produto florestal (ATPF) falsa constitui infração penal que afeta diretamente os serviços de uma autarquia federal, no caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Assim, com fundamento no artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, alega que compete à Justiça Federal o processamento e julgamento do feito.
O magistrado de piso entendeu que as alegações defensivas não possuíam condições de ensejar a absolvição sumária, bem como não demonstravam a desnecessidade da instrução criminal.
Com o desmembramento da ação penal e encaminhamento de cópia dos autos ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso em relação à acusada Luciane Borba Azoia Bezerra, em razão da sua prerrogativa de função por exercer mandato de deputada estadual (fls. 101) e tratando-se de matéria de ordem pública, que poderia levar a insanável nulidade, pois a falsificação de ATPF transgride direito e interesse da União, declino a competência para o Tribunal Regional Federal da primeira Região, competente para o processamento e julgamento do feito.
A Competência da Justiça Federal é definida pela própria Constituição da República, Pode ser competência ratione personae (art. 109, incisos I, II e VIII) e competência ratione materiae (art. 109, incisos III, X e XI).
A competência em razão da matéria, em regra, é também estabelecida por normas de organização judiciária local, porém, no que concerne à matéria, é necessário que se leve em consideração também a Constituição. Primeiro, deve-se verificar a qual justiça estaria afeta a questão, pois, às vezes, a matéria é de natureza tal que a competência é da Justiça Federal ou de uma justiça especial, qual seja, trabalhista, eleitoral ou militar. Então, antes, em se tratando de competência em razão da matéria, faz-se necessário verificar a que justiça pertenceria a matéria.
A competência absoluta, em regra, não pode sofrer modificação por vontade das partes. A competência é absoluta em razão da matéria e em razão da hierarquia, por isso, não podem ser prorrogadas e nem modificadas pelas partes e o seu reconhecimento, que pode ocorrer em qualquer tempo ou grau de jurisdição, gera nulidade absoluta do processo.
No mesmo sentido, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini:
“O uso perante autoridades estaduais ou municipais, ainda que se trate de documento expedido pela União, é da competência da Justiça estadual por não ferir serviços ou interesses federais. Por outro lado, mesmo o documento expedido por repartição estadual transfere a competência para a Justiça Federal se houver interesse da União violado.” (MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal Interpretado, 7ª ed. rev. e atual., São Paulo: Atlas, 2011, p. 1732).
Nesse contexto, considerando que o documento falsificado – Autorização de Transporte de Produtos Florestais – foi supostamente utilizado para ludibriar a fiscalização do IBAMA refere-se a serviços executados pela União por meio de uma autarquia, deve ser reconhecida a competência do juízo federal.
Neste sentido:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.605/98. ART. 299 DO CP. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
É da Justiça Federal a competência para processamento de ação penal cujo objeto é a apuração de crimes praticados com o fim de ludibriar e dificultar a atividade fiscalizatória de autarquia federal (IBAMA).
Recurso provido.” (STJ, REsp 1006383/PA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 20/10/2008).
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUÍZOS FEDERAL E ESTADUAL. CRIME AMBIENTAL E DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. OFENSA À UNIÃO. CONEXÃO. COMPETÊNCIA FEDERAL.
Do que consta dos autos, apesar de não existir lesão à União no que diz respeito ao crime ambiental, o mesmo não ocorre com o de falsidade ideológica. Considerando a conexão entre ambos, a competência é atraída para a esfera especializada.
Conflito conhecido, declarando-se a competência do juízo federal, o suscitante.” (STJ, CC 38.173/SP, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, DJ 13/10/03).
“PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. COMPETÊNCIA. APURAÇÃO DE CRIME EM TESE COMETIDO EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL FEDERAL, SUBMETIDA À FISCALIZAÇÃO DO IBAMA - AUTARQUIA FEDERAL. APONTADO DANO AMBIENTAL PROVOCADO EM RIO QUE BANHA AS UNIDADES FEDERATIVAS DO DISTRITO FEDERAL E GOIÁS. ART. 109, IV, CF/88. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA.
1) Se a infração é capaz de afrontar, diretamente, bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, consoante o disposto no art. 109, IV, da CF/88, a competência para o seu julgamento é da Justiça Federal;
2) Em se tratando de rio que divide as unidades federativas do Distrito Federal e Goiás, área submetida à fiscalização do IBAMA, autarquia federal, persiste o interesse da União em verificar o impacto ambiental ocorrido e suas conseqüências à fauna e à flora da região.
3) Recurso conhecido e improvido. Remessa à Justiça Federal. Unânime.” (TJDFT, Acórdão n.259745, 20020410085134RSE, Relator: ALFEU MACHADO, 1ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 11/05/2006, Publicado no DJU SECAO 3: 22/01/2007. Pág.: 69).
Pelo exposto, nos termos do artigo 51, inciso XLIX, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, declino da competência para o exame da ação penal e determino a remessa do feito para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Comunicações, providências e registros necessários.
Cuiabá, 3 de fevereiro de 2014.