Luiz Vagner Silveira Golembiousk, empresário que delatou o esquema de pagamento de propina e desvio de dinheiro da Saúde de Sinop (500 km ao norte de Cuiabá), afirmou que o mesmo “modelo de atuação” que era praticado pela organização criminosa na cidade do norte do Estado foi reproduzido na Secretaria de Saúde de Cuiabá.
De acordo com Luiz Vagner, em janeiro de 2023 o grupo criminoso partiu para uma “expansão territorial” iniciando tratativas para se inserir na prestação de serviços de mão de obra médica no Município de Cuiabá.
Ele disse que logo no primeiro mês de trabalho de sua empresa, a MedClin, em Sinop, em outubro de 2022, Hugo Florêncio de Castilho, responsável pelo Instituto de Gestão de Políticas Públicas (IGPP), já havia lhe informado que estava em andamento o credenciamento em Cuiabá de empresas de prestação de serviços médicos.
“Quem ficou responsável por viabilizar o credenciamento em Cuiabá-MT foi Mhayanne Escobar Bueno Beltrão Cabral, pessoa que Luiz Vagner inicialmente não conhecida, mas foi indicada e apresentada por Hugo”, diz trecho da decisão a qual o teve acesso.
Luiz Vagner afirmou que após entregar os documentos solicitados por Mhayanne ele conseguiu o credenciamento da MedClin para atuar na capital. A empresa só foi convocada para atuar por volta dos dias 14 e 17 de janeiro de 2023.
“Os pagamentos referentes à prestação desses serviços deveriam render um retorno de 10%, caso Hugo atuasse nos mesmos ‘moldes’ do núcleo de atuação de Sinop/MT”.
A MedClin atuou apenas até o dia 31 de março de 2023 em Cuiabá, recebendo só pelo período trabalhado no mês de janeiro, restando 60 dias pendentes de pagamento.
Foi realizada uma reunião no escritório de Hugo em Cuiabá no dia 2 de fevereiro de 2023. Inicialmente a reunião foi marcada para Luiz Vagner e Hugo fazerem o fechamento do valor a ser recebido pela MedClin, para adimplir os seus serviços prestados em Cuiabá em janeiro. Assim que Luiz Vagner chegou, foi apresentado a Célio Rodrigues da Silva, já ex-secretário de Saúde de Cuiabá afastado por corrupção, e que era próximo a Hugo. Foi apontado que Hugo e Jefferson Geraldo Teixeira, também sócio da IGPP, atuavam junto com Célio Rodrigues.
Na ocasião Luiz Vagner disse a Célio que estava tendo dificuldade com um dos pontos do contrato com Cuiabá, sendo que o ex-secretário então ligou para o próprio secretário de Saúde à época (Guilherme Salomão).
“Falou em tom de ‘ordem’ que o ‘contrato está errado, não é assim que ele tem que ser feito. O procurador já não te mandou a carta falando que é pra pagar integral os plantões?’”.
A dificuldade era que para que a MedClin e os médicos recebessem o valor total do contrato de Cuiabá, exigia-se que os médicos realizassem 32 ou 36 atendimentos para fazerem jus ao “valor cheio” do plantão.
No entanto, a empresa que fornecia o software que fazia a contabilidade do número de atendimentos nos plantões interrompeu o fornecimento do serviço por falta de pagamento. Por causa disso não tinha como a MedClin comprovar quantos atendimentos os médicos tinham feito nos plantões.
“Segundo afirmação do colaborador, após a ligação de Célio Rodrigues para o então Secretário Municipal de Saúde de Cuiabá/MT (Guilherme Salomão), não houve mais exigência de contabilidade do número de atendimentos para o ‘pagamento cheio’, houve retificação no valor da Nota Fiscal da MedClin e a Prefeitura de Cuiabá efetuou o pagamento”.
Para a polícia esta situação descrita demonstra o poder de comando de Célio sobre o então secretário Guilherme Salomão.
“Mesmo sem ocupar um cargo na administração pública do Município, Célio possuía interferência direta no cargo máximo da pasta da Saúde Pública, mesma área de atuação pela qual já foi investigado por diversas vezes, tanto pela Polícia Civil quanto pela Polícia Federal”.
O esquema
A Medclin foi contratada pelo Instituto de Gestão de Políticas Públicas (IGPP) para Prestação de Serviços Médicos em Sinop. No começo do contrato, em outubro de 2022, o combinado era de a empresa ofertar médicos para atendimento nas unidades de saúde do município ao valor mensal de R$ 1.311 milhão.
O acerto foi feito entre o delator e o advogado Hugo Florêncio de Castilho, responsável pela IGPP, uma Organização Social de Saúde (OSS), que gerenciava as unidades da cidade. O acordo foi proposto porque Hugo “não estava dando conta”.
Logo no primeiro mês, foi feito o pagamento com o valor combinado, mas Hugo pediu R$ 200 mil de retorno, depois o valor subiu para R$ 277 mil que deveriam ser depositados em contas variadas em remessas de até R$ 50 mil para não levantar suspeitas.
Apesar de resistente, Luiz Vagner pagou o solicitado por temer perder o contrato e já ter feito investimentos na cidade. Naquele mês, ele narra que o livro da empresa foi de cerca de R$ 340 mil após pagar os médicos e impostos, sendo que R$ 277 mil foram para o grupo criminoso.