Responsável por analisar os habeas corpus impetrados pelo detidos na “Operação Ouro de Tolo”, o desembargador Rondon Bassil Dower Filho negou nesta segunda-feira o pedido formulado pelo empresário Nilson da Costa e Farias. Nesta noite, ele já negou o pedido da ex-primeira-dama Roseli Barbosa.
No pedido feito ao Tribunal de Justiça, o empresário alega que possui os pressupostois que justificam sua liberdade durante o período investigativo. Entre eles está o de residência física e de exercer atividade remunerada, já que é empresário. Pediu que a prisão fosse convertida em medidas cautelares.
Contudo o magistrado não acatou os argumentos. Ele citou que Nilson atuava diretamente nas fraudes, sendo apontado como “laranja” do delator do esquema, Paulo César Lemes ao ser classificado como diretor do Instituto de fachada Concluir.
Foi destacado que Nilson ainda “abocanhava” parte dos valores desviados pela organização criminosa instalada na Secretaria de Trabalho e Assistência Social (Setas). “A materialidade foi registrada com a existência de anotação, em contabilidade informal de próprio punho do delator, localizada no escritório da empresa Mathice, também, de Paulo Cesar Lemes, de que os lucros ilícitos seriam rateados em 40% para Roseli Barbosa, 24% para Nilson da Costa Faria e Rodrigo de Marchi, e 36 % para Paulo Cesar Lemes”, destaca o magistrado.
O empresário teria composto a diretoria do instituto como indicado da ex-secretária Roseli Barbosa e do ex-assesor da Setas, Rodrigo de Marchi, ambos preso na operação. “O delator indicou que o paciente fazia parte da “chefia” da organização criminosa, tendo ficado esclarecido que “Paulo teria contratado Nilson da Costa e Faria para exercer o cargo de diretor financeiro da instituição de fachada Concluir por exigência de Rodrigo e Roseli, que queriam vigiá-lo de perto para ter certeza de que não seriam enganados”.
Na decisão que manteve o empresário preso, Rondon citou vários trechos do habeas corpus negado a Roseli Barbosa. Entre eles, está o fato de que, se mantendo em liberdade, o acusado representa perigo a instrução processual, podendo atuar para que as provas dos crimes não sejam descobertas.
“Dessarte, examinando se dos autos consta elementos de convicção acerca da evidência dos pressupostos da prisão preventiva, verifico suficientes os argumentos expendidos pela autoridade apontada como coatora quanto à necessidade de garantia da ordem pública, tendo em mente, o fato de, como ela diz, se estar “prevenindo a reiteração e continuidade dos crimes, e só está sob cogitação diante da constatação de sua prática sistemática durante anos, que retrata a verdadeira habitualidade criminosa”, assinala.
Bassil citou também que parte dos recursos desviados pela organização criminosa abasteceram a campanha do ex-vereador Lúdio Cabral (PT) a prefeitura de Cuiabá. O petista tinha apoio do ex-governador Silval Barbosa à época.
Pontuou ainda que Nilson, e os demais investigados, apesar de não ocuparem mais cargos públicos, são detentores de poder político e econômico que podem influenciar a coleta de provas no processo, bem como coagirem testemunhas. “Finalmente, ainda, é necessário ponderar que as provas até então colhidas, o foram extrajudicialmente, indicando a necessidade de se assegurar que os denunciados não tomem providências, a fim, de assegurar os proveitos dos ilícitos penais que lhes são atribuídos ou, mesmo, que tomem medidas com o objetivo de dificultar a colheita de provas suficientes a corroborar os termos da delação de Paulo Cesar Lemes, pois, como se sabe, em caso de condenação, não poderá o decreto respectivo fundar-se, exclusivamente nelas”, conclui a decisão.
VEJA A ÍNTEGRA DA DECISÃO
Vistos etc.
Cuida-se de Habeas Corpus com pedido de liminar impetrado em favor de Nilson da Costa e Faria, preso preventivamente pela prática, em tese, dos crimes de organização criminosa, uso de documento falso, falsidade ideológica por omissão, peculato e lavagem de capitais, apontando como autoridade coatora o MM. Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá.
Aduz, o impetrante, que a prisão, a que é submetido o paciente, evidencia constrangimento ilegal, tendo-se em vista não preencher os requisitos legais exigidos para a medida extrema de privação da liberdade, considerando a inexistência de pressupostos que autorizem a segregação preventiva.
Requer, por esses motivos, a revogação da custódia preventiva, com a eventual imposição de medidas cautelares dela diversas (fls. 2/34).
A inicial foi instruída com os documentos de fls. 35/358.
Eis, a síntese do necessário.
Vista às fls. 49/89, a decisão questionada no writ, além, de deixar em evidência provas de materialidade e indícios suficientes de autoria do paciente quanto aos crimes que lhe são imputados, também, indicou a necessidade de ser garantida a ordem pública, que é conveniente para a instrução criminal e necessária para assegurar a aplicação da lei penal, considerando-se o poder político e econômico do paciente, e demais envolvidos, bem como, a possibilidade de reiteração delitiva, diante do lapso temporal que perdurou a prática dos ilícitos imputados.
Cumpre contextualizar as imputações feitas ao paciente.
Ressai dos autos, que de janeiro de 2011 a fevereiro de 2014, enquanto a Sr.ª Roseli de Fátima Meira Barbosa ocupou o cargo de Secretária da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social - SETAS, instalou-se, na referida secretaria, organização criminosa em que Institutos sem fins lucrativos de "fachada", chefiados por Paulo Cesar Lemes, firmavam convênios e contratos ideologicamente falsos com a SETAS, desviando dinheiro público da aplicação legal a que se destinavam.
As investigações revelaram que Nilson atuava como “laranja” de Paulo Cesar Lemes, na condição de diretor financeiro do Instituto de “fachada”, “Concluir”, que era, na verdade, controlado por Paulo.
Estes, e outros relatos tiveram origem no Procedimento Investigatório Criminal n.º 007/2013/GAECO, e resultaram em denúncia oferecida, que foi inicialmente direcionada a este Sodalício, tendo em vista que um dos investigados possuía foro por prerrogativa de função, tal seja – Jean Estevan Campos Oliveira. Todavia, com a exoneração do investigado do cargo que justificava o referido foro, os autos foram distribuídos à 7ª Vara Criminal da Capital, sendo, a exordial acusatória, recebida em 20.3.2015, com o regular processamento do feito.
Nesse ínterim, mais precisamente, em 3.7.2015, foi oferecido, pelo GAECO, aditamento à denúncia, tendo em vista que Paulo Cesar Lemes firmou Acordo de Colaboração Premiada, indicando maiores detalhes quanto às transações ilícitas e a participação de cada um dos envolvidos.
Recebido o aditamento à denúncia, e determinado, entre outras providências, que as partes fossem cientificadas, o Ministério Público requereu fosse decretada a prisão preventiva do paciente, e de outros três investigados, posto, que o teor da delação de Paulo Cesar Lemes, o indicou como parte ativa na organização criminosa, e que, inclusive, participava da divisão dos lucros do ilícito.
A pretensão ministerial foi acolhida, sendo decretada a segregação cautelar do paciente.
Nessa toada, passando à análise da pretensão defensiva, cumpre verificar o preenchimento dos requisitos exigidos no art. 312, do CPP, para a decretação da custódia preventiva.
Assim, da leitura da decisão singular (fls. 49/80) constata-se a prova da materialidade dos crimes de organização criminosa, uso de documento falso, falsidade ideológica por omissão, peculato e lavagem de capitais, diante do relato prestado pelo delator, que detalhadamente esclareceu como se deram os fatos criminosos, bem como, apontou a participação do paciente, e de outros envolvidos, e, ainda, diante dos elementos indicados pelo Ministério Público Estadual, tanto na denúncia, quanto em seu aditamento, os quais, corroboram a existência dos crimes.
A materialidade foi registrada com a existência de anotação, em contabilidade informal de próprio punho do delator, localizada no escritório da empresa Mathice, também, de Paulo Cesar Lemes, de que os lucros ilícitos seriam rateados em 40% para Roseli Barbosa, 24% para Nilson da Costa Faria e Rodrigo de Marchi, e 36 % para Paulo Cesar Lemes (fl. 366).
Outrossim, da decisão vergastada, ressaem, ainda, os indícios suficientes de autoria do paciente nos ilícitos, pois, detalhadamente, foi relatado que mesmo tendo ciência de que Paulo Cesar Lemes chefiava os Institutos de “fachada”, se permitiu indicar como diretor financeiro, ciente de que o instituto Concluir firmava convênios e contratos, ideologicamente falsos, com a SETAS.
Ademais, o delator indicou que o paciente fazia parte da “chefia” da organização criminosa, tendo ficado esclarecido que “PAULO teria contratado NILSON DA COSTA E FARIA para exercer o cargo de diretor financeiro da instituição de fachada CONCLUIR por exigência de RODRIGO e ROSELI, que queriam vigiá-lo de perto para ter certeza de que não seriam enganados.” (fl. 54).
Além de tais requisitos, o Diploma Processual Penal, igualmente, dispõe acerca da efetiva necessidade da custódia cautelar, considerando que, no ordenamento jurídico pátrio, a prisão, ainda mais, quando cautelar, é a ultima ratio.
Neste ponto, é necessário lembrar que deve ser aferido o periculum libertatis, examinando-se as hipóteses em que a liberdade do acusado possa oferecer perigo, seja à ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou à aplicação da lei penal.
Ao examinar, atentamente, a decisão questionada neste writ, constato que, embora, algumas razões aduzidas pela autoridade apontada como coatora, não se revelem idôneas para demonstrar a necessidade da prisão processual, outras há, que demonstram primo ictu oculi o acerto do decreto de prisão preventiva neste momento processual, justificando o receio quanto à permanência do beneficiário em liberdade.
Neste ponto, cumpre registrar que compreendo e adoto o raciocínio utilizado, tanto pelos membros do GAECO, como pela magistrada que decretou a custódia cautelar do paciente, segundo o qual, embora, num primeiro momento, a suspensão das atividades dos Institutos de “fachada” envolvidos tenha afastado a necessidade de prisão dos envolvidos no crime, com a superveniência da delação de Paulo Cesar Lemes, dando detalhes da organização criminosa, inclusive, revelando quem eram os agentes que detinham poder de decisão e que direcionavam os atos da organização, a prisão preventiva se apresentou justificável, eis, que os efeitos do crime ainda perduram e é evidente que seus agentes têm todo o interesse em agir para que os lucros obtidos não se esvaiam e as provas do crime não sejam descobertas.
A conclusão supra tem amparo na análise da decisão questionada, em fase de exame de pedido de liminar, que, obviamente, circunscreve-se aos fundamentos da decisão atacada e respectivos documentos que oferecem suporte à ela e a prova pré-constituída que acompanha a inicial do HC oferecida pelo impetrante.
Dessarte, examinando se dos autos consta elementos de convicção acerca da evidência dos pressupostos da prisão preventiva, verifico suficientes os argumentos expendidos pela autoridade apontada como coatora quanto à necessidade de garantia da ordem pública, tendo em mente, o fato de, como ela diz, se estar “prevenindo a reiteração e continuidade dos crimes, e só está sob cogitação diante da constatação de sua prática sistemática durante anos, que retrata a verdadeira habitualidade criminosa” (fl. 58).
Sem prejuízo do fato de que o paciente não exerça ou tenha exercido cargo público, a gravidade dos fatos imputados autoriza a conclusão da magistrada a quo ao pontuar o justo receio quanto à possibilidade de reiterar na conduta criminosa imputada, destacando, conforme suas próprias palavras: “a extensão em concreto dos fatos delitivos também pode ser invocada como fundamento para a decretação da prisão preventiva. Trata-se de desvio milionário de verbas públicas, efetuado em várias ocasiões, durante anos a fio.” (fl. 61).
Outrossim, me parece suficiente, ao menos, em sede de liminar, a motivação para o decreto, em face da necessidade para a garantia da ordem pública, na medida, em que, os delitos apurados ocorreram em órgão público estadual, destinado à assistência ao trabalho e assistência social, tendo-se em mente, ainda, que a conduta imputada ao paciente, em tese, não se limitou a fazer parte de Instituto sem fins lucrativos, que sabia ser apenas de “fachada”, mas também por lhe ser imputada ativa participação em organização criminosa, como responsável por fiscalizar as atividades ilícitas praticadas, garantindo o direcionamento da inteireza dos lucros espúrios aos demais envolvidos (fl. 89).
Além do mais, evidenciada está a necessidade da garantia da ordem pública em face do fundamento aduzido pela autoridade apontada como coatora, de que “a notícia de que parte dessas quantias parece ter sido direcionada à campanha política de LÚDIO CABRAL, o candidato apoiado pelo então Governador do Estado, SILVAL BARBOSA, fato que por si só corrompe o regime democrático.” (fl. 63), lembrando-se que o paciente era “representante” da acusada Roseli Barbosa, esposa do referido ex-governador, no instituto Concluir, sem falar, na denúncia de mais de 40 (quarenta) fatos criminosos, circunstâncias que indicam a “forma corriqueira e praticamente cotidiana” (fl. 63) com que agiam os envolvidos na organização criminosa, conforme as imputações constantes na denúncia e aditamento à ela.
Da mesma forma, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal foram indicadas como afetadas com a liberdade do paciente, e demais investigados, em razão, de que “o poder político e econômico de que dispõem pode, sim, prejudicar a instrução, além de obstruir o processo por meio de produção de provas falsas ou da cooptação de testemunhas e mesmo de agentes públicos envolvidos de alguma forma no processo.” (fl. 77).
Neste ponto, muito embora, ciente de que a investigação dos fatos imputados perdura desde o ano de 2013, que provas documentais e testemunhais já foram colhidas, em procedimento extrajudicial e, pelo que se vê do extrato de andamentos do feito no site deste Sodalício, o paciente tem comparecido aos atos do processo, ainda assim, deve ser mantida a prisão processual, pois, há, na decisão atacada, referência que o paciente, e os demais acusados, são pessoas diferenciadas dos agentes da criminalidade comum, uma vez, que “trata-se de crimes praticados por pessoas supra adaptadas, de projeção social inegável, poderio político destacado, exercedoras de funções proeminentes e relevantes, que não obstante isso, utilizaram-se de tais predicados para a prática de delitos cuja danosidade é muito mais ampla, já que atinge toda a coletividade e não apenas vítimas individualizáveis.” (fl. 77); ou seja, as consequências do crime são inegavelmente graves!
Finalmente, ainda, é necessário ponderar que as provas até então colhidas, o foram extrajudicialmente, indicando a necessidade de se assegurar que os denunciados não tomem providências, a fim, de assegurar os proveitos dos ilícitos penais que lhes são atribuídos ou, mesmo, que tomem medidas com o objetivo de dificultar a colheita de provas suficientes a corroborar os termos da delação de Paulo Cesar Lemes, pois, como se sabe, em caso de condenação, não poderá o decreto respectivo fundar-se, exclusivamente nelas.
Assim, em se tratando de análise in limine do feito, cuja etapa processual exige a constatação, à primeira vista, do arguido constrangimento ilegal, decorrente de decisão em evidente afronta ao disposto no art. 93, inciso IX da CF/1988, para que seja justificado seu deferimento, suprimindo o exame do órgão colegiado, concluo não ser, o deferimento, a hipótese dos autos, frente às razões expendidas pela autoridade impetrada e que têm correspondência nos documentos examinados, satisfazendo, por ora, os requisitos e pressupostos da prisão decretada.
Quanto à possibilidade de aplicação de Medidas Cautelares diversas da Prisão, sugeridas pelo impetrante, a decisão proferida pela autoridade apontada como coatora reconhecendo a impossibilidade de atendimento de mais esse pleito, também, se encontra suficientemente fundamentada, pois, refere-se à incapacidade de tais medidas substituírem, com eficácia, a privação da liberdade, em face, das circunstâncias e consequências dos crimes imputados ao paciente e dos fundamentos aduzidos para a demonstração da necessidade da custódia processual para a garantia da ordem pública ou econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal.
Feitas essas considerações, indefiro a medida liminar vindicada em favor de Nilson da Costa e Faria.
Requisitem-se as informações judiciais à autoridade apontada como coatora, que devem ser prestadas nos moldes recomendados pela CGJ, esclarecendo, ainda, se houve qualquer alteração fática, ou de direito, após a prolação do decreto impugnado.
Com as informações nos autos, colha-se o parecer da ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça.
Cumpra-se. Intime-se.
Cuiabá, 24 de agosto de 2015.
Rondon Bassil Dower Filho
Relator