Várzea Grande, outrora conhecida como a “Cidade Industrial de Mato Grosso”, vive uma tragédia social de consequências já conhecidas, entre elas, sua pobreza endêmica, que põe em xeque o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de 0,734. A margem, considerada “alta”, foi obtida no longínquo ano de 2010 pela Organização das Nações Unidas (ONU), e dificilmente reflete a situação atual do município, onde metade dos seus 315.700 habitantes encontram-se abaixo da linha da pobreza.

O contingente de pessoas em vulnerabilidade social foi revelado pelo conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE/MT), Guilherme Maluf. Na manhã do dia 1º de agosto, ele leu o seu voto como relator de um levantamento sobre a “regularidade na investidura de cargos públicos na secretaria municipal de assistência social” de Várzea Grande, cidade localizada na região metropolitana de Cuiabá.

Conforme Maluf, houve uma “explosão” do número de moradores de Várzea Grande que faziam parte do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). No ano de 2019, o levantamento aponta que 47 mil famílias faziam parte da lista – utilizada pelo Governo Federal, Estadual e Municipal para o repasse de benefícios sociais, como o Bolsa Família, por exemplo.

Já em 2023, segundo o conselheiro da Corte de Contas de Mato Grosso, o número passou para 81 mil famílias que se encontram abaixo da linha da pobreza. “Desse contexto restou evidenciada uma precarização no sistema existente no município, haja vista que o equipamento existente trabalha em nítida sobrecarga de demanda, com tendência crescente ano a ano”, analisou o conselheiro.

Uma estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que Várzea Grande possui, hoje, 315.700 habitantes. Metade em vulnerabilidade social, advertiu Maluf. “A demanda por benefícios de família com rendimento abaixo da linha da superação de pobreza aumentou consideravelmente. Em março de 2019, 47 mil famílias, em março de 2023, 81 mil famílias, cadastradas nessa situação. Apresentando-se um incremento a população estimada do município perfaz 315.700, em um contingente de 50% de habitantes em vulnerabilidade à pobreza ora referenciados ao CadÚnico”, comentou o conselheiro.

Um dos fatores que ajudam a explicar a situação alarmante do município são seus índices sociais. De acordo com o IBGE, o desemprego em Várzea Grande beira os 20%. Para o restante dos trabalhadores, média salarial de 2 salários mínimos. Já a cobertura da rede de esgoto não chega à metade das casas – ou seja, mais de 170 mil pessoas não possuem esgoto na residência. A falta de abastecimento de água, por sua vez, já se transformou em piada, de gosto duvidoso, entre os habitantes da Baixada Cuiabana.

POLÍTICA E FUNCIONALISMO

Guilherme Maluf revelou ainda em seu voto que a secretaria municipal de assistência social de Várzea Grande teve uma verba de R$ 20,9 milhões – ante a R$ 1,5 milhão de repasses federais e R$ 444 mil do Governo de Mato Grosso para o setor, no ano de 2022. Motivo do levantamento, o funcionalismo público da área também preocupa ante o cenário bizarro de que nem mesmo os benefícios trabalhistas estão sendo suficientes para “segurar” os servidores em seus cargos.

Baixos salários, excesso de contratações temporárias – com previsão de salários ainda menores dos que os previstos em concurso, que já são baixos - e falta de convocação de aprovados, são alguns dos causadores da condição social atroz de Várzea Grande. “O levantamento detectou ainda que em razão da baixa remuneração estabelecida para os cargos, detectou-se o alto percentual de desistência de candidatos aprovados. Foi feito até um concurso público, mas ninguém quis tomar posse. Além da ausência de convocação de candidatos aprovados e diversas contratações temporárias realizadas”, apontou o conselheiro.

Ao final do voto, que deu prazo de 60 dias para a prefeitura de Várzea Grande apresentar um plano para reverter a situação, Guilherme Maluf sugeriu a ocorrência de fraudes no CadÚnico, utilizado por políticos para manter seu “curral eleitoral”. Na avaliação do conselheiro, um estudo mais aprofundado sobre o CadÚnico irá trazer “grandes surpresas” do que poderá ser encontrado na lista de beneficiários de programas sociais.

“Acho que se formos entrar na questão de como anda a execução das políticas públicas, os cadastros dos Cads, nós teremos grandes surpresas. Nós entramos mais na área de pessoal, mas os Cads precisam ser sim muito bem apurados por este Tribunal. Há uma tendência de se fazer muita política com o cadastramento dos Cads, distribuindo cestas básicas. Nós sabemos como isto acontece”.