Opinião

Segunda-Feira, 05 de Maio de 2025, 13h46

Wilson Carlos Fuáh

A viola de cocho e a política

Wilson Carlos Fuáh

 

 

Conheci um construtor de viola de cocho que atendia pelo nome de “Jhão-Jhão”. Era mal-humorado, com pouca escolaridade, mas carregava uma imensa sabedoria popular. Detestava todo tipo de político. 

Dizia sempre que político tem características inconfundíveis: vive sorrindo, apertando mãos, abraçando pessoas, falando sem parar… Mente com excelência e costuma pentear o cabelo para trás — talvez para reforçar aquela cara “lambida” que transmite cinismo com a maior naturalidade. 

Escultor de ximbuva e cantor de cururu, o senhor Jhão-Jhão gostava de filosofar sobre os bons políticos — aqueles raros, segundo ele — e dizia: 

  1. “O bom político vive angustiado, porque o sossego não o satisfaz. Ele sabe que tudo o que já fez é pouco, e que ainda há muito por fazer.” 

  1. “Tem a consciência de que suas conquistas são sempre incompletas, porque as necessidades do povo não têm fim. Sua missão nunca se encerra.” 

  1. “Entende que toda promessa feita ecoa no mundo espiritual, e sem perceber, enxerga com os olhos da alma do povo.” 

Jhão-Jhão tinha sua própria técnica para esculpir a viola de cocho. Esse instrumento típico da nossa cultura é simples comparado aos aparelhos eletrônicos de hoje, mas carrega a alma das festas de cururu e siriri — celebrações que iluminavam os terreiros das fazendas ao redor da velha Cuiabá. 

A viola de cocho tem esse nome por causa do formato: nasce de um tronco inteiriço da madeira de ximbuva, que vai sendo talhado com facão e formão até ganhar a forma da viola. É escavada em forma de cocho — onde está sua caixa de ressonância. Sobre ela, é fixado um tampo de piúva branca. O cavalete é de cedrinho. A escala, o rastilho e as cravelhas completam a obra. As cordas, que antes eram feitas de tripa de macaco, hoje são substituídas por linha de pesca — para preservar a espécie. 

Certo dia, presenciei um encontro entre um político e o escultor/cururueiro Jhão-Jhão. O político, curioso, avistou um enorme tronco de ximbuva no rancho e perguntou: 

— O que você vai fazer com esse tronco tão pesado? 

Jhão-Jhão respondeu: 

— Estou idealizando e planejando. Antes de começar, preciso preparar meu espírito. Trabalho com madeira bruta, mas dependo da leveza da alma. É nela que encontro inspiração. Primeiro, visualizo a viola em minha mente. Depois, o facão faz o resto. 

O político, surpreso, comentou: 

— Eu não sabia que um escultor planejava tanto assim. Achei que fosse coisa do “fazejamento” direto... 

Jhão-Jhão então disse: 

— Idealizar é parte da tarefa. Mas veja: construir algo como uma viola é diferente de fazer um plano de governo com cara de espelho quebrado. Político escreve promessas sem inspiração. Depois de eleito, amassa tudo e joga fora como se fosse um papel qualquer. Não há sentimento verdadeiro no que fazem. 

— Já eu, que transformo um tronco de meia tonelada numa viola de cocho, não posso mudar de ideia no meio do caminho. Preciso respeitar a madeira, o tempo e minha criação. Já o político, muda de opinião no meio do mandato como quem amassa um bloco de papel — de poucas gramas — e joga no lixo, sem o menor constrangimento. 

Tanto o trabalho do político quanto o do construtor da viola são nobres. Ambos exigem criatividade, sacrifício e dom. 

Mas o essencial — dizia Jhão-Jhão — é que, por mais difícil que seja a sua tarefa, ela deve nascer da verdade. Quando seu trabalho é honesto, ele alimenta o corpo e acalma a alma. Quando não é, o alimento vira peso, e a alma sofre. 

O justo é reconhecido não só pelo que faz, mas também pelo que é. 

 

Wilson Carlos Fuáh – É Especialista em Recursos Humanos e pesquisador das Relações Sociais e Políticas, Graduado em Ciências Econômicas. É pensador e observador do comportamento humano. Escreve sobre as emoções, o cotidiano e a busca por sentido em meio aos desafios da vida contemporânea  

Confira também: Veja Todas