Opinião Segunda-Feira, 05 de Maio de 2025, 12h:30 | Atualizado:

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Christiany Fonseca

A Escolha do Conclave: Sandálias ou Trono?

 

Christiany Fonseca

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Christiany Fonseca

 

No dia 7 de maio, os olhos do mundo se voltarão para a Capela Sistina, onde 134 cardeais eleitores darão início ao Conclave que definirá o próximo Papa. A escolha carrega um peso imenso. Não apenas para os mais de 1,4 bilhões de católicos espalhados pelo mundo, mas para todas as pessoas que compreendem o impacto que a Igreja Católica, com sua autoridade moral e histórica, ainda exerce sobre a sociedade global. Mas antes de falar sobre o futuro, é necessário fazer uma pergunta que nos provoca profundamente: nós sabemos, de fato, quem foi Jesus de Nazaré? Aquele a quem o papado e a humanidade devem ter como exemplo? 

Jesus não foi um líder moldado pelos salões do poder. Não buscou alianças com a elite do seu tempo. Ele andava entre os pobres, sentava à mesa com cobradores de impostos, falava com mulheres excluídas, curava leprosos considerados impuros e, sobretudo, enfrentava de frente a hipocrisia religiosa dos fariseus e doutores da lei. “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!”, exclamava, denunciando a injustiça em nome da fé. Foi Jesus quem desafiou os vendilhões no Templo, derrubando suas bancas e dizendo: “Transformaram a casa de meu Pai em covil de ladrões!”. E foi ele quem disse com clareza perturbadora: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus” (Mateus 19,24). 

Ele não pregava o conformismo. Pregava a transformação. Lavou os pés dos discípulos como sinal de humildade radical. Salvou a adúltera do apedrejamento dizendo: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra”. Construiu seu ministério entre os marginalizados e fez disso a sua revolução. Jesus de Nazaré foi, antes de ser reconhecido como divindade, um homem profundamente comprometido com os últimos, com os esquecidos, com os injustiçados. 

Curiosamente, esse mesmo Jesus é respeitado por diversas tradições religiosas. O judaísmo o reconhece como um rabino carismático, embora não como o Messias prometido. O islamismo o venera como um dos maiores profetas. E mesmo entre pessoas sem fé religiosa, há um reconhecimento claro de que Jesus foi uma das figuras mais transformadoras da história humana. 

É dentro desse espírito que se almeja os passos do papado e que compreende o legado do Papa Francisco. Um papa que não agradou a todos. Francisco enfrentou duras críticas de setores conservadores dentro da própria Igreja. Ainda assim, escolheu caminhar como Cristo: em direção aos invisibilizados. “A Igreja é para todos, todos, todos”, afirmou. Foi ele quem declarou, diante da pergunta sobre os homossexuais: “Se uma pessoa é gay e busca a Deus, quem sou eu para julgar?”. Foi ele quem abriu as portas do Vaticano para receber pessoas trans, algo inédito na história da Igreja. 

Francisco também reconheceu que o planejamento familiar faz parte do cuidado responsável. Disse que não é necessário “ter filhos como coelhos”, referindo-se ao sofrimento de muitas mulheres pobres, ignoradas por uma moral rígida e distante da realidade. Ampliou o colégio cardinalício, nomeando membros de países da Ásia, da África e da América Latina, dando novos rostos ao poder da Igreja. Levou a sério o grito dos pobres e fez ecoar sua defesa pela paz em meio a um mundo dilacerado por guerras. 

Francisco, assim como Jesus, também rompeu barreiras religiosas. Foi respeitado não apenas dentro da Igreja, mas também fora dela. Diálogos com o judaísmo, o islamismo e religiões de matriz africana marcaram seu pontificado. Promoveu encontros inter-religiosos e sempre reforçou que a fé não pode ser usada como arma de exclusão. Entre pessoas agnósticas ou ateias, conquistou admiração por sua coerência ética, humildade e coragem de enfrentar as estruturas de poder, inclusive as da própria Igreja. Seu compromisso com a dignidade humana ultrapassou credos, tornando-se um ponto de convergência entre diferentes tradições e visões de mundo. 

É verdade que, dos 134 cardeais que votarão no Conclave, 108 foram nomeados por Francisco. Mas sua estratégia foi universal, entre esses eleitores há conservadores, moderados e progressistas. A fumaça branca que se erguerá em breve ainda é uma incógnita, poderá anunciar a continuidade da primavera franciscana ou sinalizar um retorno a uma Igreja mais fechada, mais dogmática, menos próxima do povo. 

O contexto internacional pesa. O conservadorismo avança em vários países. Há pressão, inclusive de setores políticos para que o novo Papa represente valores mais tradicionais. Não seria a primeira vez que a Igreja cederia ao poder. 

Por isso, a pergunta é urgente, de qual Papa o mundo precisa hoje? De um líder que olhe para trás, buscando restaurar uma tradição que exclui ou de um pastor que, como Jesus e como Francisco, tenha coragem de caminhar com os pobres, acolher os rejeitados e denunciar a idolatria do poder? 

Não se trata apenas de uma escolha dentro dos muros do Vaticano. Trata-se do tipo de Igreja que será oferecida ao mundo: uma Igreja que lava os pés ou que se ajoelha apenas diante dos tronos? 

Francisco acendeu uma luz. Que ela não se apague. 

Christiany Fonseca é Professora do IFMT e Doutora em Sociologia  





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