"A vida de Thays Machado não foi em vão. Por mais que tenha acontecido tudo isso com ela, outras mulheres foram salvas. Eu tenho certeza disso. E eu fui uma dessas mulheres". As palavras de Paula (nome fictício), servidora do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), são ditas com a voz embargada e os olhos marejados. Vítima de violência doméstica por mais de uma década, ela é uma das mulheres acolhidas pelo Núcleo de Atendimento Thays Machado — um espaço criado dentro do próprio Judiciário para amparar quem, mesmo atuando na promoção da Justiça, também precisa ser protegida por ela.
Em apenas seis meses de 2025, 28 mulheres foram vítimas de feminicídio em Mato Grosso, segundo dados do Observatório Caliandra, do Ministério Público Estadual. Em 85% dos casos, não havia sequer um boletim de ocorrência registrado. Em 93%, as vítimas não tinham qualquer medida protetiva. A maioria foi morta dentro de casa, com armas brancas, após sucessivos episódios de violência ignorados pelo sistema, pela sociedade, e muitas vezes, pelas próprias vítimas, silenciadas pelo medo.
"Eu ficava com muito medo. Não falava para ninguém e me sentia muito sozinha. Eu também tinha medo dele fazer alguma coisa comigo, sem eu ter algum tipo de apoio". O relato de Paula não é exceção. É regra. Mas foi justamente para quebrar esse ciclo de silêncio e invisibilidade que o Núcleo de Atendimento – Espaço Thays Machado foi criado.
Inaugurado em março de 2023, o Núcleo, que realiza a campanha “Eu Digo Basta! Poder Judiciário Contra a Violência Doméstica e Familiar”, leva o nome de Thays Machado, servidora do TJMT vítima de feminicídio, e hoje símbolo de luta e resistência.
"Eu penso na forma como o núcleo foi criado, por causa da Thays, mas a vida dela não foi em vão", diz Paula, com os olhos cheios d’água. "Ela abriu um caminho para que outras mulheres fossem salvas. O Núcleo representa o começo de uma nova vida, um renascimento".
O atendimento no Núcleo é sigiloso, feito por uma equipe multidisciplinar exclusivamente feminina e altamente capacitada. As mulheres acolhidas recebem apoio psicológico, orientação jurídica e, se necessário, atendimento psiquiátrico e medidas de segurança institucional. O acolhimento pode ser presencial ou por videoconferência, o que garantiu a Paula a chance de pedir ajuda ainda durante o relacionamento abusivo.
"Eu conheci o Núcleo em uma palestra. Eu já estava em um relacionamento abusivo. Saber que eu tinha apoio me impulsionou a querer sair daquela relação. Eu estava muito triste, debilitada. Foi então que eu senti que eu ia conseguir sair desse relacionamento".
Foram 12 anos de convivência com o agressor, mas somente nos últimos quatro ela começou a identificar o abuso. "Fui percebendo o jeito que ele falava comigo, a obsessão dele, reclamava da minha roupa, queria saber onde eu ia, com quem eu ia. Fui percebendo que eu não estava feliz. Estava me sentindo acuada".
O Núcleo, que é vinculado à da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher-MT), também realiza ações educativas que explicam o chamado ciclo da violência doméstica: a fase da tensão, a explosão da violência e a “lua de mel”, quando o agressor se mostra arrependido, tática que prolonga o controle sobre a vítima.
Paula viveu todas essas fases. "Eu sofria muita pressão psicológica, emocional, patrimonial. Ele já tinha me batido. Eu me negligenciei. Quando ele fez isso comigo, eu já devia ter feito alguma coisa, mas eu não tinha suporte. Minha família não é daqui, eu me sentia muito sozinha".
A equipe do Núcleo também orienta sobre os cinco tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Entender essas formas é essencial para combatê-las. “O apoio do Núcleo me fez ver o meu valor. Nenhuma mulher merece sofrer. Hoje eu enxergo como é um relacionamento abusivo. E posso ajudar outras pessoas a enxergarem também”.
Hoje, Paula se considera uma mulher renascida. “Eu mudei muito. Eu renasci. E quando você renasce por dentro, isso se espelha para fora. Hoje me vejo mais forte, pronta para enfrentar os desafios. O Núcleo me fez ver que eu não estou sozinha. Essa rede de apoio me fortaleceu para eu não me negligenciar mais”.
Ela sabe que não foi a única: outras tantas mulheres encontraram nesse espaço acolhimento, amparo e coragem para reconstruir suas vidas. "Thays perdeu a vida para que muitas de nós encontrássemos a nossa", afirma, com a convicção de quem sobreviveu e agora inspira. "Existe um espaço. Existe uma saída. Existe vida após a violência."
Thays Machado foi servidora do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), onde atuava com dedicação e compromisso, reconhecida por colegas e magistrados como uma profissional exemplar e uma mulher doce e gentil.
Em 2022, sua vida foi brutalmente interrompida por um crime de feminicídio, cometido pelo ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento. O caso chocou o Estado e expôs, de forma dolorosa, como nem mesmo as mulheres inseridas no sistema de Justiça estão imunes à violência de gênero.
A tragédia de Thays deu nome ao Núcleo de Atendimento, transformando luto em luta, dor em acolhimento, e sua memória em um símbolo de proteção para tantas outras mulheres.
Serviço – Núcleo de Atendimento Thays Machado
WhatsApp: (65) 99267-6382
E-mail: [email protected]
Atendimento presencial ou por videoconferência
Se você trabalha no Poder Judiciário de Mato Grosso e está em situação de violência, não espere o pior acontecer. Diga basta. Procure o Núcleo. Você não está sozinha.