A “Capacitação para Facilitadores de Programas de Reflexão e Sensibilização para Autores de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher” revelou o desafio da atuação das equipes multidisciplinares. A formação, realizada durante três dias, encerrou nessa quarta-feira (16 de julho), com o compartilhamento de experiências e técnicas de abordagens desenvolvidas por psicólogos e assistentes sociais que atuam com violência doméstica e familiar contra a mulher.
O aperfeiçoamento das equipes é uma realização da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher-MT) do TJMT. Os três dias de formação e intercâmbio culminaram no compromisso de encontros bimestrais (online), para aperfeiçoamento continuado das equipes.
“A ideia é tentar padronizar alguns aspectos, mas não no sentido de engessar os encontros. Trata-se de seguir algumas normativas que precisam ser atendidas, inclusive as previstas na própria Lei Maria da Penha. O acompanhamento permite que o trabalho, de fato, resulte na responsabilização, na reflexão e na conscientização dos autores de violência”, explica a assistente social da Cemulher -MT, Adriany Sthefany de Carvalho.
Formação
A formação atende a Recomendação n.º 124 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que além de orientar a criação e o funcionamento de grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica, reforça a necessidade de monitoramento dos grupos.
A oficina “Como desenvolver os Grupos de Reflexão e Sensibilização”, dessa tarde, ministrada pela equipe da Cemulher permitiu o compartilhamento de boas práticas entre as comarcas.
Na Comarca de Sorriso, o cuidado na condução dos grupos é reavaliado a todo o momento. Conforme a psicóloga Letícia Passos de Melo, o perfil heterogêneo dos participantes (com diferentes idades, histórias de vida, níveis de escolaridade) é um desafio.
“Alguns participantes têm um perfil mais controlador. Já tivemos em nossos grupos advogados, policiais militares, policiais civis. São pessoas que conhecem bem a legislação e que, às vezes, tentam conduzir o grupo, tomar as rédeas. Não existe uma técnica única para retomar esse controle. O segredo está em estarmos atentos, vigilantes”, orientou a psicóloga.
Para a Letícia, o estado de vigilância também deve predominar no comportamento dos facilitadores, pois a própria estrutura social pode criar armadilhas no processo de responsabilização desses homens.
“Quando falo sobre esse cuidado, me refiro ao fato de que o machismo está profundamente enraizado na nossa sociedade. É essencial observar o nosso próprio machismo que estão em nossas falas, nossos comportamentos. É um processo de autoconhecimento profundo e muito sincero."
A psicóloga destacou que a capacitação é essencial para a convergência de boas práticas e construção de novas ideias. “É um momento de revisão mesmo. De olhar para a própria prática e fazer uma análise crítica: ‘Alguém está fazendo diferente, ou até melhor’, ‘Essa técnica eu não conhecia’, ‘Nunca pensei nesse ponto’. E isso faz com que eu reflita e diga: ‘Talvez eu precise rever meu posicionamento’. É maravilhoso. Estou encantada porque é a primeira vez que consigo avaliar meu trabalho a partir da experiência concreta de outros profissionais. Isso enriquece muito nosso fazer”, avaliou a facilitadora de Sorriso.
Na Capital, a experiência vivenciada pela psicóloga Leila Maria Lobo de Albuquerque, mostra que dinâmica de cada grupo é única.
“No início do grupo, há um momento importante que se assemelha a um pacto. A gente estabelece, numa dinâmica específica, um conjunto de regras, algumas objetivas, outras subjetivas. Elas são essenciais para o bom funcionamento do grupo. Essas regras nem sempre são impostas. Muitas vezes, são os próprios participantes que ajudam a construí-las refletindo sobre os valores que consideram importantes para a convivência e para a seriedade do processo. Essa construção conjunta gera comprometimento. Por isso, cada grupo é único”, compartilha a profissional, que atua na 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Cuiabá.
A facilitadora de Cuiabá também identificou que o maior desafio para todos os grupos reflexivos está na vitimização dos participantes. “Muitos têm dificuldade de se reconhecerem como agressores, especialmente nos primeiros encontros. Isso está muito ligado ao discurso da naturalização da violência, que é estrutural em nossa sociedade”.
Para a psicóloga Leila Maria Lobo, a capacitação demonstrou a relevância de manter um aperfeiçoamento continuado entre as equipes multidisciplinares que atuam com grupos reflexivos no Estado.
“Esse momento de troca aqui tem sido fundamental. Porque, com o tempo, vamos nos isolando nas comarcas e os grupos reflexivos exigem conversa, troca de experiências, compartilhamento de dificuldades e soluções. Mesmo com realidades regionais diferentes, sempre é possível ajustar o que se aprende com os colegas à nossa própria realidade. Esse processo de aprendizado coletivo é fantástico, porque ele acontece a partir da interação, da escuta do outro”, avaliou a psicóloga Leila Maria Lobo.
Oportunidade para as mulheres
No último dia de capacitação, a juíza auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso (CGJ-MT), Myrian Pavan Schenkel, reforçou que a atuação dos profissionais pode impactar positivamente na vida das mulheres em situação de violência doméstica. Um dos caminhos é ofertar a elas oportunidade de trabalho, por meio do projeto Cartório Inclusivo.
O Cartório Inclusivo é um projeto da CGJ-MT que prevê a destinação de 10% das vagas de trabalho abertas em cartórios do foro extrajudicial a mulheres vítimas de violência doméstica.
O programa permite reintegrar mulheres vítimas de violência doméstica ao mercado de trabalho, ao promover autonomia, acolhimento, capacitação profissional e impulsionar a inserção e o crescimento dessas mulheres no mercado de trabalho.
“Para alcançar o nosso objetivo, que é a contratação dessas mulheres, dependemos da colaboração de vocês para o programa funcionar de forma efetiva. Vocês são o elo essencial entre essas mulheres e o mercado de trabalho.”
O convite reforça a necessidade de preencher as 43 das 53 vagas disponíveis em 86 cartórios que aderiram ao projeto. O serviço está disponível para todas as mulheres vítimas de violência doméstica que desejam ingressar no mercado de trabalho com segurança. As interessadas podem procurar a unidade multidisciplinar do Fórum da sua cidade para mais informações.
Capacitação de facilitadores
A capacitação de facilitadores atende à Recomendação n.º 124/2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta os Tribunais de Justiça a instituírem programas de reflexão e sensibilização para autores de violência doméstica, e à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). A norma prevê a formação de equipes de atendimento multidisciplinar especializadas, que, conforme o Artigo 30 da Lei, são responsáveis por fornecer subsídios ao juiz, Ministério Público e Defensoria Pública, além de desenvolver trabalhos de orientação, prevenção e encaminhamento para a vítima, o agressor e seus familiares.
O evento também está alinhado ao Plano de Gestão 2025-2026 da Cemulher-MT, de “fortalecer os serviços especializados para atendimento à mulher vítima de violência”; “potencializar e divulgar o Núcleo de Atendimento Thays Machado às magistradas e servidoras e as campanhas permanentes sobre violência doméstica”; e “implantar as equipes multidisciplinares exclusivas para as comarcas”.
Grupos Reflexivos para Homens
Em Mato Grosso, a implementação desses grupos precede as recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Atualmente, o TJMT, por meio da Cemulher-MT, desenvolve programas em 20 comarcas do Estado. Nos grupos, é promovida a reflexão e a responsabilização de autores de agressão autuados pela Lei Maria da Penha.