No segundo dia do curso ‘Protocolo para julgamento e instrução com perspectiva de gênero e suas interseccionalidades raça e etnia’, que termina nesta quarta-feira (02 de julho) e é oferecido pela Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), o juiz Jamilson Haddad Campos ressaltou a relevância da Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 492/2023. Essa resolução recomenda aos magistrados a compreensão da vulnerabilidade das partes envolvidas nos processos judiciais, além da importância da Lei nº 13.869/2019, que tipifica o crime de violência institucional, e do uso responsável da Inteligência Artificial no âmbito jurídico.
Conforme o magistrado é importante que as autoridades judiciárias compreendam e identifiquem a vulnerabilidade das partes, a profundidade da situação levada ao Judiciário e também as consequências de suas decisões. O objetivo é promover a “igualdade entre os seres humanos e coibir haja tratamentos discriminatórios”.
“Essa vulnerabilidade pode ser de natureza financeira, profissional, física, ou relacionada a raça, sexo, etnia e gênero. O objetivo é garantir que as decisões judiciais considerem a profundidade da situação levada ao Judiciário e suas consequências, promovendo a igualdade e coibindo tratamentos discriminatórios. E em relação à lei 13.869/2019, os magistrados devem atuar para impedir que as partes, especialmente mulheres, sejam submetidas a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que possam gerar revitimização, sofrimento ou estigmatização”, explicou.
Inteligência Artificial e princípios éticos
Um dos pontos de destaque da qualificação é a discussão sobre o uso da Inteligência Artificial (IA) no Judiciário. O curso enfatiza a observância de princípios fundamentais ao utilizar a IA como a privacidade; transparência e explicabilidade; responsabilidade; equidade e não-discriminação; controle humano de tecnologia; responsabilidade profissional; promoção de Direitos Humanos e segurança.
O juiz Jamilson Haddad ressaltou a relevância do princípio da equidade e da não-discriminação, que se alinha diretamente com o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero da Resolução nº 492/2023 do CNJ. Isso visa à elevação da igualdade e à erradicação de qualquer forma de discriminação.
Qualificação abrangente
Para o magistrado, a combinação da lei de violência institucional, o protocolo do CNJ e os princípios da IA evidencia a urgência em qualificar os magistrados para desenvolverem sensibilidade e compreensão da igualdade entre os seres humanos, evitando atos discriminatórios em qualquer procedimento judicial.
O juiz parabenizou o desembargador Márcio Vidal, diretor-geral da Esmagis-MT, e o Tribunal de Justiça do Estado pela iniciativa do curso. Ele defende que essa qualificação seja estendida a todos os magistrados, independentemente de sua competência jurisdicional. A Resolução 492/2023 do CNJ, segundo ele, possui um caráter abrangente e exemplificativo, não restritivo, o que exige uma interpretação extensiva e a aplicação a todas as Varas (violência doméstica, cível, trabalhista, etc.).
"Acredito que todos os juízes devam se submeter a essa qualificação, inclusive para que não sejam responsabilizados por falta de observância dessa normativa recomendatória e impositiva, tanto da lei quanto da recomendação do Conselho Nacional de Justiça", afirmou Campos.
Instrutores e conteúdo do Curso
O curso está sendo ministrado pelo próprio juiz Jamilson Haddad Campos, que atuou por 11 anos na Vara de Violência Doméstica da Comarca de Cuiabá, e pela juíza Amini Haddad Campos, autora de diversas obras sobre a temática. O juiz Campos também lançou recentemente um livro sobre a violência contra as mulheres sob uma perspectiva restaurativa e fraterna.
A metodologia combina questões teóricas, abordando desde autores filosóficos antigos até pensadores modernos como Michael Sandel e Hannah Arendt, com a vasta experiência prática dos instrutores. "Essa junção de questões teóricas com a prática traz uma amplitude no aprendizado para os magistrados", explicou Campos.
Expansão
O curso foi submetido e aprovado pela Escola Nacional de Aperfeiçoamento da Magistratura (ENFAM) para magistrados. No entanto, o juiz Jamilson Haddad Campos expressou a visão de que a compreensão não discriminatória e a perspectiva de gênero, raça, etnia e interseccionalidade devem ser estendidas a todos os operadores do Direito, incluindo advogados, defensores públicos e, fundamentalmente, os assessores que trabalham no dia a dia dos gabinetes.
Recomendações
A juíza Tatiana Lopes de Araújo Borges, atuante na Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Cuiabá, destacou a relevância do curso ao enfatizar a necessidade de sua aplicação por todos os juízes, independentemente da área de atuação.
A magistrada explicou que, apesar de já conhecer o protocolo por sua atuação na vara específica, as aulas proporcionam um aprofundamento essencial na temática. Para ela, o conhecimento adquirido é vital não apenas para os magistrados da violência doméstica, mas também para os que atuam nas esferas criminal (em casos com vítimas mulheres), trabalhista e federal.
"É muito importante que todos tenham conhecimento, e até para que a gente não possa infringir alguma lei. Porque, além do protocolo, existem outras leis que devemos respeitar, por exemplo, quando uma vítima é ouvida, nós temos que indeferir perguntas que vão causar desconforto, que seja para desqualificar a vítima. Inclusive também temos uma lei específica que proíbe", afirmou a juíza, mencionando a Lei Mariana Ferrer (nº 14.443/2022), que protege vítimas de crimes sexuais em julgamentos, como exemplo.
A assessora de gabinete do TJMT, Larissa Brandão, recomenda o curso e o classifica como de extrema importância para magistrados e assessores de gabinete. “O curso é muito mais do que está na programação. Mostra muitos pontos necessários da Resolução (CNJ 492/2023) que precisamos observar no julgamento, tanto para a prestação de serviços jurídicos quanto para o próprio magistrado ao pontuar questões que são necessárias para proteção da equidade de gênero”, afirmou ela.
Eleitor
Quarta-Feira, 02 de Julho de 2025, 14h01