A Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT) realizou na manhã desta terça-feira (3 de junho) o webinário “Contornos Conceituais do Direito Ambiental e Suas Implicações Práticas”, marcando a primeira ação do Eixo Ambiental da instituição. A capacitação contou com a participação de mais de 130 pessoas e foi transmitida ao vivo pela plataforma Microsoft Teams, das 8h às 11h (horário de Mato Grosso).
Durante a abertura, o coordenador do Eixo Ambiental, desembargador Rodrigo Curvo, destacou o compromisso da Esmagis-MT com a formação de uma magistratura engajada e preparada para os desafios ambientais contemporâneos. “Essa visão demanda a análise de temas emergentes, como violência ambiental, agroecologia, proteção da fauna e flora, mudanças climáticas e mecanismos como a licitação verde”, afirmou o magistrado, celebrando também a participação do palestrante Álvaro Luiz Valery Mirra, cuja trajetória acadêmica acompanha há anos.
O diretor-geral da Esmagis-MT, desembargador Márcio Vidal, reforçou a relevância do tema e a necessidade de o Judiciário incorporar conhecimentos interdisciplinares na resolução dos conflitos ambientais. “A crise climática precisa ser tratada em escala planetária. Nossas decisões devem ser pedagógicas e dialogar com as ciências humanas e naturais. O Direito Ambiental não pode mais ocupar lugar periférico”, observou. Para ele, o Eixo Ambiental consolida uma missão institucional: preparar magistrados(as) para atuar com consciência ecológica e responsabilidade intergeracional.
A vice-diretora da Esmagis-MT, desembargadora Anglizey Solivan de Oliveira, participou da abertura do evento e ressaltou a importância de iniciativas que tragam temas ambientais para o centro da formação judicial.
O Direito Ambiental e a garantia do acesso à Justiça
A primeira palestra do evento, “O Direito Ambiental Contemporâneo: Implicações Teóricas Relevantes”, foi conduzida pelo juiz aposentado Álvaro Luiz Valery Mirra, doutor em Direito Processual pela USP e especialista em Direito Ambiental pela Universidade de Estrasburgo. Em sua exposição, Mirra enfatizou o papel central do acesso à informação, à participação pública e à justiça na efetivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Com base no Acordo de Escazú, tratado regional assinado por 24 países da América Latina e Caribe, o palestrante abordou a necessidade de democratização do Direito Ambiental. “O acesso à justiça ambiental é um direito fundamental que não admite retrocessos. Trata-se de um pilar da democracia ambiental, sobretudo quando consideramos a proteção de grupos vulneráveis, frequentemente mais expostos aos danos ecológicos”, afirmou.
Mirra detalhou o modelo brasileiro de acesso à justiça ambiental, destacando a atuação de entes intermediários, como o Ministério Público e as associações civis, bem como a ampliação da participação social por meio de audiências públicas, amicus curiae e grupos de trabalho interdisciplinares.
“O Judiciário não pode se posicionar apenas como inspetor do ilícito, agindo depois do dano. Ele deve atuar como agente preventivo, capaz de conter os efeitos antes que se tornem irreversíveis”, enfatizou, citando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao final, o palestrante também abordou a responsabilidade civil ambiental, destacando sua natureza objetiva, solidária e ilimitada. “A reparação deve ser integral e prioritariamente in natura, e o processo precisa ser interpretado de forma dinâmica, adaptando-se à realidade ambiental em constante transformação.”
O protagonismo da magistratura e a tutela estrutural
Na segunda palestra do webinário, a juíza federal Mônica Lúcia do Nascimento Alcântara Botelho, titular da 1ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia (RJ), falou sobre “O Protagonismo do Magistrado em Matéria Ambiental: Aspectos Práticos”. Com vasta experiência em ações coletivas e tutela ambiental, a magistrada defendeu uma atuação judicial sensível, colaborativa e comprometida com a transformação social.
“O Direito Ambiental é cuidar da nossa casa comum. O juiz não está apenas aplicando normas, ele está exercendo um valor constitucional. A função judicial, nesse campo, precisa estar conectada com a realidade dos territórios e com o futuro das próximas gerações”, afirmou. Para ela, o dano ambiental não pode ser enfrentado com a lógica de responsabilização apenas após o ocorrido. “Não se pode olhar o dano pelo retrovisor. O bem violado é um macro-bem pertencente à humanidade inteira.”
Mônica ressaltou a importância do processo estrutural como ferramenta adequada para lidar com problemas ambientais complexos, como desastres ecológicos, esgotamento de mananciais e omissões estatais. “A resposta do Judiciário não pode se limitar ao modelo tradicional. Precisamos sair da zona de conforto, fomentar consensos, promover escuta ativa e adotar soluções construídas em diálogo com a sociedade civil, órgãos públicos e cientistas.”
A magistrada também alertou para o desafio prático de gerir acervos judiciais sobrecarregados e demandas ambientais que exigem decisões técnicas e céleres. “O STJ tem exercido um protagonismo fundamental na consolidação da jurisprudência ambiental. Mas é papel de cada juiz ser ponte entre o Direito e a realidade vivida pela população mais vulnerável aos impactos ecológicos.”
Ao fim da palestra, Mônica destacou que a legitimidade da atuação judicial em matéria ambiental nasce da escuta e do compromisso com a efetividade. “Não é o ativismo pejorativo. É compromisso com a Constituição. Quando conseguimos solucionar um problema estrutural, o ganho é coletivo e duradouro.”
A atividade teve carga horária de três horas, com emissão de certificado aos participantes, e integrou a programação formativa da Esmagis-MT voltada à capacitação contínua dos operadores do Direito.
Com a realização deste webinário, primeiro promovido pelo Eixo Ambiental, a Esmagis-MT reafirma seu papel na construção de uma magistratura preparada para os desafios do século XXI, pautada por valores ecológicos, justiça intergeracional e responsabilidade democrática.