A trabalhadora que perdeu as filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto no frigorífico que atuava e ter a saída negada pelo supervisor é venezuelana e recebia R$ 1.975,60. Conforme consta no processo que resultou na condenação da empresa, ela começava a jornada de trabalho às 3h30 e estendia até às 13h18, com uma hora de intervalo. A multinacional BRF, responsável pelo frigorífico em em Lucas do Rio Verde (MT), foi condenada, na segunda-feira (23), a pagar R$ 150 mil por danos morais à mulher.
Ao g1, a BRF informou que a colaborada cumpria uma carga horária de 8 horas e 48 minutos, acrescentado uma hora de almoço e três pausas de 20 minutos.
“A BRF informa que possui uma política de apoio a gestantes, com um programa implementado desde 2017, que oferece suporte às mães em todas as fase da gestação […] A companhia destaca que instaurou um comitê multidisciplinar para apurar e revisitar o caso específico”, disse.
A decisão judicial reconheceu que a empresa negligenciou o estado de saúde da funcionária, que, mesmo com oito meses de gestação, continuou sendo mantida em sua rotina de trabalho.
De acordo com o processo, no dia em que perdeu os bebês, ela começou a passar mal por volta das 3h40, logo no início do expediente. Após isso, pediu ao gestor imediato que a liberasse, mas a saída foi negada sob a justificativa de que isso atrapalharia a linha de produção.
Mais tarde, a funcionária decidiu sair da empresa por conta própria e sentou em um banco próximo ao ponto de ônibus, na entrada do frigorífico, na tentativa de conseguir transporte até uma unidade de saúde. Sem conseguir socorro a tempo, deu à luz no local. De acordo com os relatos médicos, as gêmeas chegaram a receber reanimação cardiorrespiratória por 30 minutos no hospital, mas não resistiram.
Histórico de assédio a gestantes
O mesmo supervisor citado na decisão que condenou a BRF já havia sido denunciado por outras duas funcionárias grávidas por assédio moral no ambiente de trabalho em outras ações movidas contra a empresa.
Em 2019, uma funcionária entrou com ação na Justiça do Trabalho do Mato Grosso relatando que, após comunicar à empresa sobre sua gravidez e apresentar recomendação médica para redução de esforço físico, teve o pedido ignorado.
No mesmo ano, outra colaboradora grávida entrou com um processo contra a empresa e contra o gestor, dizendo ter sido designada, após descobrir a gravidez, para tarefas mais pesadas, como pendurar frangos e realizar serviços de limpeza — funções que, segundo ela, não pertenciam ao seu setor de origem.
'Vou deixar você descansar, está suspensa'
De acordo com a Justiça, uma das funcionárias entregou, à época, um laudo para alteração de função após sofrer complicações na gestação, mas o supervisor teria alegado que "na verdade, ela não queria trabalhar”. Em seguida, foi aplicada uma suspensão de meio período a ela.
Ainda no processo, a mulher afirmou que foi humilhada pelo líder direto após reclamar dos problemas enfrentados na gravidez. Em uma das ocasiões, ele teria dito: “vou deixar você descansar então, vá para casa, você está suspensa”.