No contexto onde Mato Grosso lidera o preocupante ranking nacional de feminicídios, com uma taxa de 2,47 casos por 100 mil mulheres, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) se destaca por uma iniciativa vital, o Núcleo de Atendimento – Espaço Thays Machado. Este espaço, que oferece suporte jurídico, psicológico e psiquiátrico em ambiente seguro e sigiloso, tem se mostrado fundamental na vida de muitas mulheres do Judiciário mato-grossense, como ilustram os relatos de duas servidoras atendidas, cujas histórias destacam a importância e a eficácia desse apoio crucial.
Em 2024, o Brasil registrou 1.459 feminicídios, o que significa que, em média, quatro mulheres foram cruelmente assassinadas diariamente no país, apenas por serem mulheres, segundo o Mapa da Segurança Pública 2025, publicado no último dia 11 de junho. No cenário mato-grossense, os dados são ainda mais chocantes. Dos 47 feminicídios ocorridos no estado, 83% aconteceram dentro de casa, um ambiente que deveria ser de segurança. Para agravar, nove dessas mulheres foram mortas na presença dos próprios filhos, deixando 89 crianças órfãs. Há também um aumento de 200% nos crimes de lesão corporal seguida de morte, evidenciando a extrema vulnerabilidade feminina.
A coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher-MT), desembargadora Maria Erotides Kneip, falou de sua satisfação em ver o impacto positivo do Núcleo Thays Machado na vida das mulheres que trabalham no Poder Judiciário Estadual. Para ela, não é apenas um local físico, mas uma rede de apoio integral que acolhe, orienta e empodera.
“O Poder Judiciário de Mato Grosso se empenha ativamente em prevenir e combater a violência contra mulheres, tanto fora quanto dentro do âmbito da nossa instituição. O Núcleo Thays Machado representa esse compromisso em ir além do formal, humanizando a Justiça e garantindo que nossas magistradas, servidoras e colaboradoras se sintam seguras e apoiadas para romper o ciclo da violência. A vida da Thays Machado não foi em vão e por meio deste Núcleo, ela continua a inspirar a proteção e a esperança de muitas outras mulheres”, disse a desembargadora coordenadora.
Vida nova após o atendimento no Núcleo
Uma estagiária do Poder Judiciário contou sua história que é um testemunho da importância do Núcleo de Atendimento – Espaço Thays Machado. Há um ano, ela chegou lá em desespero, após meses de violência doméstica, e uma perseguição incessante do ex-namorado.
"Eu tinha sofrido violência doméstica, tanto física quanto emocional. Fui à delegacia, mas não me informaram sobre nenhuma ajuda, nem psicológica, nem sobre o botão do pânico, nada. Eu não tinha noção de que tipo de ajuda eu poderia ter. Foi no meu departamento que fiquei sabendo sobre o Espaço Thays Machado. Vim aqui e a Laurair me ajudou com a questão do botão do pânico. Eu nem sabia que tinha como baixar um aplicativo no celular e pedir ajuda, caso ele me perseguisse”, contou a servidora.
A perseguição era constante, com o agressor aparecendo em seu trabalho e faculdade, deixando-a "bem apavorada". Além da orientação sobre o botão do pânico, ela recebeu auxílio no processo judicial e, principalmente, suporte psicológico, com sessões de terapia semanais que se estendem já por um ano.
A acadêmica morou com o agressor por oito meses, período em que, mesmo ciente da violência, não conseguia se desvencilhar do ciclo abusivo. "Por mais que você não queira mais, ele vai atrás. Não aceita o término de jeito nenhum." A situação escalou para perseguição e humilhação pública, incluindo difamação no trabalho.
O Núcleo Thays Machado representou um divisor de águas em sua vida, conforme suas palavras. "Aqui as meninas me ajudaram, me orientaram sobre quais passos eu tinha que seguir, não fazer mais a mesma rota para o trabalho e para casa, porque ele já sabia. Me orientaram sobre o horário de chegar no serviço e na faculdade para ele não me perseguir nem me encontrar."
Além do suporte psicológico, a estagiária recebeu auxílio jurídico. O processo que ela iniciou, com a orientação do Núcleo, levou à prisão do agressor e ao uso de tornozeleira eletrônica. Além disso, ela foi assistida pela patrulha de segurança, que a acompanhava quando sentia que estava sendo seguida. "Me auxiliaram bastante nessa perseguição que eu sofria."
A transformação da mulher é visível e profunda. Hoje, irradia autoconfiança e amor-próprio. "Aqui me fez ter autoconfiança, me fez ter amor próprio, a querer me arrumar mais, a querer ficar bonita. Eu acho que sem o espaço Thays Machado, eu estaria ainda naquele relacionamento abusivo, eu não teria saído, porque eu não teria forças para virar a página”, afirmou, dizendo que o Núcleo a ajudou a enfrentar o processo judicial e o julgamento social, que muitas vezes desestimulam as vítimas.
Outra mulher atendida pelo Núcleo foi a servidora que compartilhou uma experiência igualmente transformadora. Ela conheceu o serviço por meio de uma palestra do próprio Núcleo. Ela contou que já havia percebido que estava num relacionamento abusivo e ouvindo as juízas falando sobre o Núcleo decidiu procurar ajuda. “A palestra me impulsionou. Percebi que teria apoio. Eu ficava com muito medo, não falava pra ninguém, eu me sentia sozinha de relatar isso e ficava com medo de ele fazer alguma coisa comigo ou com meu filho, sem eu ter apoio. O Núcleo foi fundamental para eu conseguir sair desse relacionamento abusivo. Cheguei aqui muito triste, debilitada, com muito medo.
Ela contou que chegou ao Núcleo "muito triste, debilitada, com medo, muito medo". . O acolhimento no Núcleo foi imediato e ela sentiu que, realmente, poderia sair do ciclo de violência. “Foram 12 anos de relacionamento, mas nos últimos quatro anos fui percebendo que o jeito como ele falava comigo, a obsessão que ele tinha comigo, a questão de reclamar da minha roupa aonde eu ia, com quem que eu estava saindo. Eu fui percebendo que não estava feliz e que me sentia acuada, que eu não estava num relacionamento normal, mas num relacionamento abusivo de muita pressão psicológica, emocional, patrimonial e agressão física”, contou.
Para a servidora, o Núcleo Thays Machado foi a "mola propulsora" que a ajudou a quebrar o ciclo de violência e o “renascimento para uma nova vida”. Ela conta que se vê uma mulher mais forte e corajosa, que mudou muito psicologicamente, emocionalmente e até fisicamente. "Eu renasci. Penso sobre o que aconteceu com a Thays Machado e como esse Espaço, que leva o nome dela, tem salvado a vida das mulheres. Eu tenho certeza disso e eu acho que fui uma delas. Fui salva antes que acontecesse coisa pior, como aconteceu com ela", falou emocionada.
Ela ressaltou a importância de reconhecer o próprio valor e sua experiência a capacitou a ajudar outras mulheres que passam por situação de violência doméstica. Ela também destacou a rede de apoio que encontrou. "Eu tinha muito problema de não querer incomodar os outros. O problema é meu, eu resolvo, mas o Núcleo me fez entender que eu não estava sozinha e tinha pessoas para me ajudar. “Essa rede me fortaleceu para não me negligenciar mais, me tornar uma pessoa mais forte, mais preparada para viver uma nova etapa da minha vida".
Núcleo de Atendimento
O Núcleo Thays Machado foi concebido como uma resposta à crescente necessidade de prevenção e apoio à todas as mulheres (magistradas, servidoras, colaboradoras, contratadas, credenciadas, terceirizadas e estagiárias) que prestam serviços ao Poder Judiciário de Mato Grosso, seja na capital ou interior do estado. É um lugar seguro e sigiloso que oferece acompanhamento psicológico, psiquiátrico e jurídico.
O funcionamento do Núcleo segue a Resolução nº 254/2018 e a Recomendação nº 102/2021, ambas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que traz aos órgãos do Poder Judiciário a adoção do protocolo integrado de prevenção e medidas de segurança voltado ao enfrentamento à violência doméstica praticada contra magistradas e servidoras.
O local leva o nome da servidora do Poder Judiciário de Mato Grosso, advogada e professora de Direito Thays Machado, assassinada a tiros em janeiro de 2023, pelo ex-namorado, que matou também seu namorado quando saíam do prédio onde a mãe dela residia, em Cuiabá.
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