Na manhã desta segunda-feira (30 de junho), o promotor de Justiça Renee do Ó Souza ministrou a nona aula do curso “Lei de Drogas – Aspectos Jurídicos, Político-Criminal e Prático”. Ofertada na sede da Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), a atividade educacional teve como tema a ‘Reparação do dano moral coletivo no tráfico de drogas: perspectivas legais e estratégicas’ e contou com a participação de desembargadores(as), juízes(as) e assessores(as), que participam presencialmente ou de maneira on-line.
A atividade pedagógica, que se estende até 21 de julho, visa proporcionar uma visão aprofundada e multidisciplinar da Lei Federal n. 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad) e define crimes relacionados a entorpecentes. O curso teve início em 5 de maio.
Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp) e mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub), Renee iniciou a aula destacado o artigo 387 do Código de Processo Penal (CPP), que estabelece que o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos dados causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
Após explicar a base normativa que ampara o direito de reparar o dano, o promotor salientou que o dano a ser reparado não é exclusivamente o dano material, mas também os danos morais que a vítima tenha experimentado em razão do crime.
Na aula, ele apresentou uma introdução à vitimologia contemporânea, com as três fases em que a vítima desempenha papeis distintos: fase protagonista (papel central na persecução penal, buscando vingança contra o autor do crime), fase de neutralização (Estado assume controle do processo penal, com aplicação de punições públicas) e fase de redescoberta (implementação de políticas sociais em favor das vítimas, como programas de assistência, reparação, compensação e tratamento).
“Não se estuda mais Direito Penal e Direito Processual Penal sem a compreensão das disposições do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, apenas a partir da legislação doméstica”, pontuou. Conforme o professor, esse estudo tem que ser conectado com as inúmeras condenações que o Brasil já sofreu por essa Corte - 19, no total – por ter atuado de forma leniente na proteção de vítimas.
Souza explicou detalhadamente o conceito de vítima, que, segundo ele, vem sofrendo uma evolução. O conceito original é da resolução editada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, mas existe ainda a Resolução 253/2018 do Conselho Nacional de Justiça e a Resolução 243/2011 do Conselho Nacional do Ministério Público. Ele enumerou quais são as espécies de vítimas (direta, indireta, de especial vulnerabilidade, coletiva e familiares e pessoas economicamente dependentes da vítima), descritas na resolução do CNMP.
O professor ressaltou ser possível estabelecer dano moral coletivo dentro do processo penal e listou diversos exemplos, como a exploração de jogo de azar ilegal; o tráfego de veículos com excesso de peso, em razão do agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos; atividades de desmatamento e exploração madeireira quando ilegais e causadoras de danos ambientais, entre outros.
Conforme o promotor, esse assunto vem ganhando peso na jurisprudência e é extremamente importante ser conectado com o dano moral coletivo no tráfico de drogas. Renee salientou a necessidade de se estudar o bem jurídico tutelado no crime do tráfico de drogas, ou seja, a saúde pública. Adaptando uma famosa frase sobre capitalismo do filósofo e sociólogo Noam Chomsky, destacou que o usuário e o traficante socializam o risco e o custo do tráfico de drogas, mas privatizam o prazer e o lucro de suas condutas ilícitas.
“Enquanto nós eventualmente somos atingidos pelas consequências das práticas desses atos, as eventuais vantagens ficam privatizadas a esses dois grupos. Por isso não há possibilidade de enxergar o tráfico como sendo uma conduta que não viole um bem jurídico difuso como é a saúde pública, por isso ela é digna de proteção da nossa legislação”, opinou.
A censura ao lucro ilícito pode ser justificada pelo adoecimento da população, que provoca a diminuição da capacidade produtiva e, consequentemente, à falência ou ao subdesenvolvimento do Estado. Além disso, segundo Renee, de acordo com o Relatório Anual de Drogas das Nações Unidas, os seus Estados-membros conhecem amplamente que as drogas e seu tráfico impedem que as metas de desenvolvimento do milênio sejam atingidas.
Durante a aula, ele enfatizou que há relação íntima entre o crescimento do tráfico de drogas e o aumento da violência em escala geométrica. Mesmo nos territórios neutros, onde há livre distribuição de drogas, ele revelou que há índices de criminalidades acima dos locais onde não há essa distribuição. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), o tráfico de drogas é um dos principais fatores que contribuem para a criminalidade no Brasil, sendo que em 2022 houve um aumento de 14% nos homicídios dolosos no país tendo as drogas como a principal motivação.
Renee abordou diversos outros temas durante a aula, como os custos causados pelo tráfico à saúde pública e à segurança pública, assim como destacou a caracterização do dano moral coletivo em in re ipsa (sem necessidade de comprovar o prejuízo específico sofrido pela coletividade) no contexto do tráfico de drogas.
Responsável pelo curso, o desembargador Marcos Machado destacou a qualidade da apresentação feita por Renee, considerada abrangente, crítica e esclarecedora. “Ele é professor nato. Tanto que é um dos promotores que atua no nosso curso de formação inicial e em todos os encontros do sistema de justiça criminal que realizamos, e não será diferente esse ano.”
A próxima aula será no dia 7 de julho, com o juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra, com o tema “O enfrentamento à lavagem de dinheiro como forma de aplacar a narcotraficância”.
Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail [email protected] ou pelos telefones (65) 3617-3844 / 99943-1576.