A tarde de sexta-feira (30 de maio) foi reservada para as atividades práticas da capacitação “O Papel da Educação no Enfrentamento da Violência Contra a Mulher”, promovida pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher-MT), do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). A formação reuniu 130 diretores e coordenadores pedagógicos das redes estadual e municipal de ensino da Comarca de Cuiabá, com o objetivo de preparar os profissionais para atuarem como multiplicadores da temática nas escolas.
A capacitação reconhece a escola como espaço estratégico de prevenção e transformação social e integra a programação da Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher, conforme previsto na Lei nº 14.164/2021. Durante o evento, também foi lançado o Concurso Escolar de Expressão sobre a Violência Contra a Mulher, que mobilizará estudantes do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental até o final do ano letivo.
“A Cemulher atua em todas as frentes. Com as vítimas, com os agressores e, principalmente, com a prevenção. Trabalhar com crianças e adolescentes é investir em uma política pública primária, que evita que a violência aconteça no futuro”, destacou a juíza Ana Graziela, membro da Cemulher-MT, que implanta e capacita voluntários para trabalhar nas Redes de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, os grupos reflexivos para homens autores de violência de gênero com medida protetiva e com crianças e adolescentes em idade escolar.
Oficinas com situações reais e dinâmicas de grupo
No período da tarde, os participantes foram organizados em grupos para participar de oficinas práticas com estudos de caso. As dinâmicas foram conduzidas pela juíza Ana Graziela Vaz de Campos Alves Correa, da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá, com o apoio da juíza Célia Vidotti, da Vara Especializada em Ações Coletivas de Cuiabá. Em outra sala, o mesmo trabalho foi realizado pelo juiz Marcos Terêncio Agostinho Pires, da 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá, e pela juíza Tatyana Lopes de Araújo Borges, titular da 2ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar da capital.
O juiz Marcos Terêncio explicou que foram apresentadas cinco situações hipotéticas, todas ambientadas no contexto escolar, para que os grupos discutissem soluções possíveis com os temas da descoberta de lista ameaçadora em caderno de aluno vítima de bullying; divulgação de imagem falsa com conteúdo sexual gerada por inteligência artificial; perseguição após término de relacionamento; relacionamento entre homem adulto e aluna adolescente e isolamento social e quadro depressivo após término amoroso.
Após o debate em grupo, os participantes se reorganizaram para compartilhar as conclusões e trocar experiências. A proposta não visava respostas únicas, mas estimular o pensamento crítico e a construção coletiva de soluções, respeitando a realidade de cada escola. Ao final da dinâmica todos trocaram conhecimentos e informações e debateram as situações e temas, que poderão ser trabalhados com as crianças durante o projeto.
“A dinâmica em grupo tem como objetivo sensibilizar os participantes e motivá-los para o desenvolvimento do projeto. A proposta é levar essa discussão para dentro das escolas, envolvendo meninas e meninos, para que essa nova geração cresça consciente e preparada para não repetir os erros das gerações anteriores”, explicou Marcos Terêncio.
Ele afirmou que a orientação principal para diretores e professores diante de situações de violência dentro da escola depende da gravidade e das circunstâncias do caso. Quando a agressão é praticada por um adulto, a recomendação é acionar imediatamente a polícia e encaminhar o caso à delegacia. Se envolver um menor de idade, trata-se de um ato infracional, e o primeiro passo é acionar o Conselho Tutelar. Cada situação exige uma análise cuidadosa, e as soluções adotadas devem estar alinhadas com os protocolos legais e pedagógicos, podendo inclusive ser compartilhadas como boas práticas entre as escolas.
“Essas dinâmicas são fundamentais para sensibilizar os gestores e prepará-los para orientar suas equipes. A ideia é que eles levem esse debate para os professores e, a partir daí, para os alunos, promovendo uma cultura de respeito e prevenção”, explicou a juíza Ana Graziela.
Participantes
A diretora Amanda Laura Siqueira Alt, da Escola Municipal do Ensino Básico Ana Teresa Arcos Krause, do Jardim Industriário II, disse que se interessou imediatamente pela capacitação pela relevância do tema.
“Acredito que discutir a violência contra a mulher dentro do ambiente escolar é fundamental. Na nossa escola, especialmente nas turmas do 5º ano, já lidamos com situações de conflito e comportamentos agressivos entre os alunos. As oficinas que participamos hoje são muito importantes porque trazem o tema à tona e promovem a reflexão entre alunos, professores, famílias e toda a comunidade escolar. Acredito que, com esse trabalho, podemos fortalecer valores como respeito, igualdade de gênero e empatia, contribuindo para uma convivência mais harmoniosa e para a prevenção da violência desde a infância.”
Silne Barros Rodrigues, coordenadora do CEIC Rafael Rueda, do bairro Pedra 90, participou da capacitação por acreditar que o tema é extremamente relevante porque, mesmo com mais acesso à informação, os casos de violência contra mulheres continuam ocorrendo. Ela acredita que a mudança precisa começar pela base, desde a Educação Infantil até os anos finais do Ensino Fundamental.
“Acredito muito nesse projeto. A violência contra a mulher ainda é uma realidade dura, e precisamos começar a mudança desde a base, com as crianças pequenas. No CEIC, trabalhamos com crianças de até três anos e já ensinamos valores como respeito e empatia. Também é essencial envolver as famílias nesse processo. Palestras e ações educativas com os pais são fundamentais. Não basta apenas buscar conhecimento — é preciso compartilhá-lo com a comunidade. Se cada um fizer sua parte, podemos transformar essa realidade.”
O diretor da Escola Estadual Cívico-Militar Padre Vanir Delfino César, do bairro Novo Terceiro, Tiago Rossi de Moraes contou que recebeu o convite junto com a apresentação do projeto e se interessou de imediato, porque ele trata de situações vivenciadas diariamente nas escolas. Ele citou a palestra da manhã - da médica legista Alessandra Carvalho Mariano, diretora Metropolitana de Medicina Legal, A Violência Sexual – ao dizer que a médica legista apresentou casos que se assemelham muito com a realidade dos alunos da escola, como automutilações e marcas corporais. Para ele, isso vai ajudar a refletir sobre como abordar essas situações com mais sensibilidade e preparo.
“Na nossa escola, que atende alunos do 6º ao 9º ano, esse projeto será muito útil. São estudantes que já enfrentam muitas das questões discutidas aqui. Com cerca de 30 professores, vamos multiplicar esse conhecimento e trabalhar com os alunos ao longo dos próximos meses. Acredito que ações como essa têm um grande potencial de impacto, não só dentro da escola, mas também nas famílias e na comunidade”, concluiu o diretor.
Capacitação em três etapas e concurso escolar
A formação é a primeira etapa de um projeto mais amplo. A segunda etapa prevê palestras nas escolas, ministradas pela equipe multidisciplinar da Cemulher-MT. A terceira etapa é o Concurso Escolar de Expressão sobre a Violência Contra a Mulher, que contará com produções dos alunos em cinco categorias: dissertação argumentativa, poesia, carta fictícia, música (letra e melodia) e peça teatral ou vídeo.
Os trabalhos serão avaliados em duas fases: etapa escolar, com seleção interna nas escolas até agosto, e etapa municipal, com avaliação por comissão especializada e premiação final no dia 25 de novembro, data que marca o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher.
O projeto é realizado em parceria com as Secretarias Estadual e Municipal de Educação de Cuiabá, Varas Especializadas de Violência Doméstica, organizações da sociedade civil e instituições de ensino superior.