Curiosidades Sábado, 12 de Outubro de 2019, 22h:00 | Atualizado:

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BRINCADEIRAS

Pipeiros reinventam tradição e pipas resistem em Cuiabá

 

Vitória Lopes
Gazeta Digital

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O céu nublado estava com cara de poucos amigos. Em frente à loja Cuiabá Pipas, havia até mesmo um menino sentado na calçada jogando pelo celular, reflexo dessa “nova geração”. Entretanto, as fiações elétricas da região exibem vários esqueletos de pipas penduradas, o que demonstra que a brincadeira milenar ainda rola no bairro Pedregal.

O goiano Anderson Souza é pipeiro desde que se entende por gente. Aos 7 anos, já percorria as ruas de seu bairro humilde em Ceres  (GO) colorindo o azul anil do céu com as famosas “quadradas”, um estilo de pipa mais antiga. Após crescer e se mudar para Cuiabá para ser cantor, foi num dia de descontração e sol rachando que ele voltou a empinar pipa.

“Eu estava meio estressado, porque eu era modelo. E eu já estava meio cansado de ser modelo, porque quebra muito. E eu vi os meninos brincando aqui, isso em 2013. Vi os vizinhos brincando e eles me chamaram pra soltar pipa. Tinha tempo que eu não soltava pipa, e eu pensei, será?”, relembra.

Foi nessa brincadeira que ele começou a investir no mercado de pipas, porque em outro dia ele colocou umas pipas na janela de sua casa e os meninos começaram a pedir, a ponto dele não conseguir atender a demanda. “Falei ‘olha, o tio não tem mais como dar pipa o tempo inteiro, não vou dar conta’. O menino falou ‘então me vede uma’. Na época cobrei R$ 3 e ele quis duas. Aí veio outro guri perguntando quanto era a pipa”.

É nas periferias da cidade que o espetáculo das pandorgas dançando no céu mais acontece e se mantém viva. Anderson, que viveu em uma, tem propriedade para afirmar: a pipa é periferia. “É um esporte e brincadeira que é barato. Se um menino R$ 10, ele compra a seda, a cola e a pipa pronta por R$ 1. Com R$ 10, ele compra quatro pipas, rabeira pra elas, que vai ser 50 centavos. Ele compra mais seis rabiolas, compra uma linhazinha e fica a tarde inteira brincando com dez reais”.

Depois de pesquisar na internet, ele foi para o Rio de Janeiro, onde além de entender sobre as vendas, também conheceu campeonatos de pipas. A pipa não é só uma tradição que perpassa gerações, mas sim um esporte, que inclusive gera renda e sustenta famílias.

Anderson trouxe para Cuiabá uma nova forma de se soltar pipa, não mais aquela em que a garotada disputava as latas de casa para enrolar a linha. O que se usa atualmente são carretilhas enormes e avançadas, com linhas e rabiolas coloridas.

Além disso, mais de 50 modelos diferentes – raias, pipa invisível para “torar” os adversários etc – ficam penduradas no local.

Em seu comércio, são fabricadas por dia em torno de 300 pipas, vendidas a atacado. Tem seda de time de futebol, desenhos e até mesmo de colagem, feita uma por uma pelo próprio pipeiro, com um valor inestimável. As carretilhas, usadas pelos profissionais, vieram importadas do Chile e da China.

“A meninada é o tempo inteiro aqui na frente de casa. Tem hora que tenho até que mandar eles embora, que atrapalha. Quando tem cliente eu falo ‘deixa o tio trabalhar agora’”, conta Anderson, ainda mais quando tem férias escolares, que é a temporada de pipas.

Na parede tem o Cascão e Cebolinha empinando pipa. Questiono: “Mas e a Magali e Mônica? São só os meninos que soltam pipa?”, e Anderson responde, que além de representar a periferia, a pipa é esporte para todo mundo e nos festivais várias meninas empinam. “A pipa une. Ela não tem separação se você é pobre, se você é rico. É o único esporte que até hoje eu vi que não tem discriminação mesmo”.

Inclusive, engana-se quem pensa que as pandorgas fazem a alegria só da meninada. A maioria da clientela de Anderson são adultos, ainda mais por se tratar de uma distribuidora e por ele organizar os campeonatos. Quando ele falou em união, não falou por menos: muitos pais vão até à loja, para ter um momento de lazer com os filhos e repassar a geração pipeira.

Além dos festivais e campeonatos, Anderson articula a construção de um pipódromo, justamente para quebrar o estigma que a arte da pipa carrega. Existe o grupo “Comissão do Pipódromo”, que luta para trazer com dignidade mais pipas pelos ceús de Cuiabá e Várzea Grande.

“Estamos fazendo um abaixo-assinado, tudo documentado, para verem o tanto de pessoas que praticam o esporte. Porque acabamos sendo mal vistos, sem saberem nossas causas”, explica.

 





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