Após demitir por justa causa trabalhadora que faltou ao serviço para cuidar da filha de um ano que estava doente, um supermercado e atacado de Nova Mutum (240 km de Cuiabá) deverá reverter, por determinação da Justiça do Trabalho, a pena aplicada. A empresa alegou que aplicou a penalidade em razão de atrasos e faltas, incluindo uma ausência em julho de 2024.
A trabalhadora argumentou que avisou a empresa sobre a possível ausência, enviando uma mensagem na noite anterior para informar que poderia faltar caso não conseguisse alguém para cuidar da criança. A empresa atacadista argumentou que a dispensa se deu por desídia, sustentando um histórico de dois atrasos e três faltas sem justificativas, com aplicação de advertências e suspensão antes da justa causa.
Ao avaliar o caso, o juiz Paulo Cesar da Silva, da Vara do Trabalho de Nova Mutum, converteu a demissão por justa causa em dispensa sem justa causa, assegurando à trabalhadora o direito às verbas rescisórias. Ele apontou que a caracterização de desídia requer uma reiteração de atos de desleixo, o que não ocorreu neste caso, em que a empregada se antecipou e comunicou previamente à empresa sobre a possibilidade de faltar para cuidar da filha adoentada, demonstrando que não houve descompromisso com o trabalho.
O magistrado destacou que, desde o início do vínculo empregatício, em 2021, a ex-empregada havia recebido apenas uma advertência e um atraso antes de 2024, ano em que passou a ter os cuidados próprios pós-maternidade. Conforme afirmou, a situação da trabalhadora exige uma compreensão da realidade vivenciada por ela à época da rescisão do contrato.
A sentença destacou ainda o dever de solidariedade previsto na Constituição que envolve a família, o Estado e a sociedade na proteção de crianças e jovens. “Não se pode desprezar o papel constitucional e moral da trabalhadora de ser responsável legal por sua filha menor, assim como o dever de solidariedade da empresa, que lhe impõe, no mínimo, a obrigação de compreender que seus empregados também são pais, mães e cidadãos”, salientou o juiz.
A decisão foi fundamentada também no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dentre outros pontos considera a vulnerabilidade enfrentada por mulheres no mercado de trabalho. O juiz atribuiu valor ao relato da trabalhadora, que optou por cuidar da filha em casa sem buscar atendimento médico imediato, não tendo portanto um atestado médico para justificar a ausência.
Ele lembrou que essa atitude é comum entre pessoas que cuidam de crianças. “Isso porque é corriqueiro que crianças pequenas adoeçam sucessivas vezes com gripes, resfriados e enfermidades respiratórias menos graves, já sabendo os pais, em razão disso, lidar com aquela sintomatologia, o que dispensa, pelo menos a priori, dirigir-se até um posto de saúde, onde se costuma enfrentar longa espera e sujeitar-se a outras enfermidades”, acrescentou.
A decisão reforçou que a trabalhadora retornou ao trabalho na tarde do mesmo dia, assim que conseguiu alguém para ficar com a filha, conforme testemunhado pela representante da empresa. Para o magistrado, isso também demonstrou o comprometimento da trabalhadora, contrariando a alegação de desídia.
Instituído pelo CNJ em 2023, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero reconhece que critérios de produtividade e assiduidade frequentemente ignoram a carga extra de responsabilidades enfrentadas por mulheres, especialmente aquelas com filhos pequenos. O documento orienta que juízes e magistrados considerem esses fatores a fim de não perpetuar desigualdades.
Ao analisar o caso de Nova Mutum, o magistrado pontuou que os processos envolvendo mulheres, especialmente a maternidade, devem contar com um olhar especial dos julgadores, por se tratar de grupo socialmente vulnerável, historicamente excluído, para quem foi relegada atividades domésticas e cuidado dos filhos, o que ainda traz empecilhos para manutenção no emprego e de progressão na carreira.
Por fim, o magistrado destacou o dever de se cumprir os direitos previstos na Constituição e na legislação que cada vez mais exige adaptações razoáveis à realidade dos empregados, em respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia. “Não pode a empresa, que tem uma função social constitucional a cumprir, simplesmente entender que a falta da autora decorreu de uma desorganização pessoal da sua vida e que a empresa nada tem a ver com essa suposta desorganização”, frisou.
Com a reversão da justa causa, o supermercado foi condenado ao pagamento de aviso prévio e multas como dos 40% do FGTS. Por se tratar de decisão de primeira instância, cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT).
JOSEH
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