O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou na abertura da sessão do julgamento sobre responsabilização de redes sociais que a regulamentação das plataformas pela Corte não configura "censura" nem "invasão" à competência de outros Poderes.
— Estabelecer os critérios que vão reger os casos que chegarem ao Judiciário é nosso dever e nada tem de invasão a competência dos outros Poderes e muito menos tem a ver com censura — disse Barroso.
A fala foi feita no início da sessão que retomou o julgamento que vai definir como deve ser a responsabilização das plataformas digitais e empresas de tecnologia por conteúdos publicados por usuários, tendo como pano de fundo o Marco Civil da internet.
De acordo com Barroso, o STF "não está legislando" e nem definindo regulações definitivas:
— O Judiciário não está legislando. E muito menos regulando, em caráter geral, abstrato e definitivo as plataformas digitais
O presidente acrescentou que os critérios que serão estabelecidos pela Corte só terão validade até que o Congresso se manifeste sobre o assunto.
— Os critérios adotados pelo tribunal para decidir os casos trazidos perante ele só prevalecerão até que o Congresso Nacional legisle, se e quando entender legislar a respeito. E quando o Congresso legislar a respeito é a vontade do Congresso que vai ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, desde que, evidentemente, compatível com a Constituição.
Relator de um dos processos, o ministro Dias Toffoli também pediu a palavra para reforçar que o julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil não tem qualquer relação com uma limitação à liberdade de expressão.
— Quero também agregar, que aqui não se trata de nenhum julgamento que diga respeito à censura, ou a tolher a liberdade de expressão. Não estamos tratando de liberdade de expressão, o que nós estamos aqui a tratar é do momento em que surge a responsabilização — apontou.
Votos já proferidos
Até agora, três ministros já votaram: Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso — todos eles defenderam, com algumas diferenças pontuais, a responsabilização das plataformas, seja ela total ou parcial. O que está em discussão no julgamento do STF é o modelo de responsabilização das plataformas pelo conteúdo de terceiros — se e em quais circunstâncias as empresas podem sofrer sanções por conteúdos ilegais postados por seus usuários. A regra que está em vigor atualmente diz que as redes só podem ser responsabilizadas se descumprirem uma ordem judicial de exclusão de conteúdo.
A continuação da análise do tema pelo plenário da Corte ocorre com o voto do ministro André Mendonça, que em dezembro de 2024 suspendeu o julgamento com um pedido de vista, mais tempo para apreciar o caso. A expectativa entre magistrados é que Mendonça adote uma visão diferente da defendida pelos colegas e vote pela necessidade de ordem judicial para que uma rede social seja obrigada a remover publicações.
O recomeço do julgamento sobre as plataformas ocorre no momento em que os Estados Unidos, por meio do governo de Donald Trump, ameaçam sancionar Alexandre de Moraes por decisões dadas contra grandes empresas de tecnologia. Na semana passada, a possibilidade de punição ao ministro foi comentada pelo chefe do Departamento de Estado norte-americano, Marco Rubio, durante um depoimento na Comissão de Relações Exteriores do Congresso.
No STF, ministros avaliam que era importante que o julgamento das plataformas fosse retomado para pontuar que a Corte não deixará de analisar o tema e tomar uma decisão mesmo diante do cenário de ameaças. Como mostrou O GLOBO, magistrados também veem como possível a pressão do bilionário Elon Musk nas sanções contra Moraes aventadas pelo governo norte-americano.
Entenda o julgamento
O Supremo julga a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, norma que estabeleceu os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. De acordo com o dispositivo, "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", as plataformas só podem ser responsabilizadas pelas postagens de seus usuários se, após ordem judicial, não tomarem providências para retirar o conteúdo.
No atual quadro, os dois votos proferidos pelos relatores, Fux e Dias Toffoli, estão declarando a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil e defenderam que, em casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos, as plataformas digitais devem agir a partir de uma notificação extrajudicial, sem necessidade de ordem judicial.
Toffoli defendeu que, nos casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos, como racismo, as plataformas digitais devem agir a partir do momento que forem notificadas de forma extrajudicial. Ou seja, pela vítima ou seu advogado, sem necessidade de aguardar uma decisão judicial.
— Parece-me evidente que o regime de responsabilidade dos provedores de aplicação por conteúdo de terceiros, previsto no artigo 19 do MCI (Marco Civil da Internet), é inconstitucional. Seja porque, desde sua edição, mostra-se incapaz de oferecer proteção efetiva aos direitos fundamentais (...), seja porque não é apto a fazer frente aos riscos sistêmicos que surgiram nesses ambientes a partir do desenvolvimento de novos modelos de negócios — afirmou.
Relator da outra ação, Fux também considerou que o artigo 19 do Marco Civil é inconstitucional. Durante seu voto, Fux afirmou que existe um "déficit de proteção" dos direitos no ambiente digital e disse que hoje as plataformas não têm "estímulo" para remover conteúdos ilícitos e criminosos, observando que se cria uma "terra sem lei".
— Olha que zona de conforto, a plataforma chega e diz eu não tenho condições, não tem como tirar, isso é para garantir a liberdade dos negócios. E como garante a liberdade dos negócios? Degrada a liberdade das pessoas — observou Fux.
'Incentivo a ficarem inertes'
Autor de um voto considerado intermediário, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, defendeu que as plataformas digitais devem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros caso deixem de tomar as providências necessárias para remover postagens com teor criminoso. Para ele, o artigo 19 não dá proteção suficiente a direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, e a valores importantes para a democracia.
— Não há fundamento constitucional para um regime que incentiva que as plataformas permaneçam inertes após tomarem conhecimento de claras violações da lei penal — disse.
Quando votou, Barroso fez um apelo ao Congresso Nacional para que estudasse a criação de um regime jurídico para esse tema que regule as medidas necessárias para avaliar e minimizar riscos, defina as sanções e crie órgão regulador responsável pela análise de conformidade das plataformas.
O STF aguardou que o Congresso avançasse com o assunto, mas o PL das Redes Sociais teve a tramitação atravancada por pressão da bancada bolsonarista — e acabou freado pelo então presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que chegou a criar um grupo de trabalho para tratar do tema, mas que também não avançou.
Além de Mendonça, que vota nesta quarta-feira, sete ministros ainda precisam votar. É possível que o julgamento seja novamente paralisado por um pedido de vista.
Carlos Nunes
Quinta-Feira, 05 de Junho de 2025, 08h31Carlos Nunes
Quinta-Feira, 05 de Junho de 2025, 06h54