O júri popular de Loriano Ribeiro da Fonseca, 34, acusado de homicídio, foi suspenso após a juíza e o promotor do caso brigarem por conta da escolha do local da cadeira onde o representante do MP-MA (Ministério Público do Maranhão) iria sentar. O julgamento ocorria na quarta-feira passada (14), na Câmara de Vereadores de Cantanhede (MA).
A discussão envolveu a juíza Bruna Fernanda Oliveira, titular da comarca de Cantanhede, e o promotor Márcio Antônio Alves Oliveira, também da comarca. O problema ocorreu porque ele não aceitou sentar em outro local, como ordenou a juíza, senão na cadeira imediatamente ao lado direito da magistrada.
Ela, por sua vez, alegou que ali seria o local de sua secretária, e ambos começam uma acalorada discussão : "Você quer sentar no meu colo?", questionou Bruna em certo momento. “Quem está do meu lado é a minha secretária. E aqui quem manda sou eu. Você é uma parte, advogada é uma parte. Eles são jurados. Combinado?”
Juíza
Márcio retruca a juíza e diz que a posição que deve sentar é estabelecida por lei e por uma decisão do STF, que determinam exatamente o local onde o membro do MP deve sentar durante a sessão do júri. “O promotor de Justiça deve ser a direita do juiz, imediatamente à sua direita. Uma prerrogativa minha, do Márcio Antônio, do promotor de justiça. Não fui eu que inventei a lei.”
Promotor
Em outro momento, quando o tom da discussão se eleva, o promotor pede que ela "fale baixo" e "tenha educação". "Eu não vou deixar o senhor falar enquanto eu me sentar", retruca ela, que segue em pé em todo momento.
Após mais alguns instantes em que eles seguem discutindo, ela deixa o local falando que era "palhaçada". Já o réu, acusado de mandar matar João Batista Soares em 14 de junho de 2017, em Matões do Norte (MA), chegou a ir à sessão, mas voltou à prisão. Ele seguirá preso à espera da marcação da nova data de julgamento.
Ata cita 'machismo estrutural'
Na ata final, a juíza relata que o promotor "solicitou, em tom e maneira inadequados, que a secretária judicial removesse seus objetos pessoais para que pudesse ocupar o assento imediatamente à direita da magistrada". Ela cita que a secretária desocupou o assento, mas com sua chegada, ela diz que advertiu o promotor de que "a disposição dos assentos seria realizada no momento oportuno", quando diz ter sido "abruptamente interrompida durante sua fala pelo Promotor de Justiça".
“Diante da postura do membro do Ministério Público, que incluiu dar ordens diretas aos servidores desta Vara Judicial e tratar com descortesia tanto a Secretária Judicial quanto esta magistrada Presidente, demonstrando um comportamento que, em análise preliminar, configura tratamento sem urbanidade e com indícios de machismo estrutural no tratamento direcionado às servidoras e à Juíza, passou a magistrada a deliberar sobre o ocorrido.”
Ata assinada pela juíza
Já a Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão defendeu Márcio, que em sua história, diz, "tem demonstrado atuação comprometida com os valores republicanos, com o zelo pelo interesse público e com o respeito aos direitos fundamentais, notadamente nos trabalhos realizados junto à Promotoria de Justiça de Cantanhede".
A associação defendeu uma apuração do caso e acusou a juíza de dar informações falsas na ata feita após o encerramento da sessão.
“Lamentavelmente, a ata de audiência registrada de forma unilateral -- sem assinatura de qualquer outro presente -- apresenta uma narrativa que não corresponde à realidade dos fatos, imputando ao membro do Ministério Público uma conduta que, além de não comprovada, não se coadunada com a filmagem da sessão, cujas imagens demonstram, ao contrário, elevação de tom por parte da magistrada e uma condução que, para além de desrespeitosa com o membro da instituição, destoou do espírito de diálogo e harmonia esperados no ambiente judicial,” afirma a Associação do Ministério Público.
A nota ainda cita que a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público,e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4768, "reconheceu como legítimo o assento do membro do Ministério Público à direita do juiz presidente, no mesmo plano de julgamento".
“De maneira respeitosa e urbana, como atestado por mídia audiovisual existente, o Promotor de Justiça apenas solicitou o cumprimento da lei -- e o fez, como sempre o faz, com respeito às instituições e às pessoas, pugnando pelo seu cumprimento, como já ocorreu nos demais júris, que aconteceram normalmente, sem incidentes,” diz a Associação do Ministério Público
Em nota, a Associação dos Magistrados do Maranhão manifestou "solidariedade e apoio" à juíza por ter sido "sistematicamente interrompida pela intervenção verbal" do promotor.
A urbanidade e o decoro devem pautar a postura dos representantes das instituições do Sistema de Justiça, especialmente na prática dos atos processuais. Nesse contexto, é imprescindível a observância da prerrogativa da presidência dos atos à representante do Poder Judiciário, a quem os requerimentos devem ser dirigidos para deliberação, devendo ser assegurada, ainda, sua independência funcional no exercício da jurisdição.
Associação dos Magistrados
Também em nota ao UOL, a Corregedoria Geral de Justiça informou que a versão apresentada pela juíza "será averiguada eventual conduta relacionada ao caso, para a adoção das providências cabíveis". O MP-MA também foi procurado, mas até o momento não se posicionou.