Numa campanha eleitoral marcada por episódios seguidos de violência política e medo, usuários de serviços de transporte por aplicativo, como Uber e 99, têm sido surpreendidos negativamente por motoristas que usam o instrumento de trabalho para fazer propaganda de seus candidatos favoritos.
A prática de adesivar os carros usados nesse tipo de serviço não é expressamente proibida pelas plataformas, e está em uma espécie de limbo legal, já que a legislação que trata do tema é anterior à chegada dos aplicativos ao Brasil.
No caso de táxis e ônibus coletivos, que operam sob a supervisão do Estado como concessionários de serviços públicos, a proibição de fazer propaganda política está expressa na Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nº 23.610/2019, que tem como base uma lei de 1997.
No caso de carros de aplicativos, o entendimento está aberto a interpretações e varia Brasil afora – afinal, o TSE não se posicionou.
Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, motoristas de Uber e de 99 estão proibidos de fazer propaganda eleitoral de qualquer forma. A multa varia de R$ 2 mil a R$ 8 mil.
Em decisão tomada no mês de agosto, o juiz eleitoral Ricardo Gomes Façanha equiparou os serviços de aplicativo ao transporte público regular.
Na maior parte do país, porém, não há regras, e sobra constrangimento. A reportagem conversou com usuários que passaram por situações indesejadas ao pedir o serviço de transporte por aplicativos, e buscou relatos nas redes sociais.
A maioria das narrativas é de apoiadores do postulante petista ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva, reclamando de motoristas que fazem propaganda para o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL). Mas a situação contrária também ocorre.
Uma dona de casa de 50 anos, que mora em Goiânia e prefere não se identificar, por medo de perseguição política, conta que se sentiu intimidada ao pedir dois Ubers na última semana. Os veículos estavam adesivados com material de campanha de Bolsonaro.
“Eu não voto nele, mas também acharia errado se fossem adesivos do Lula, porque sei que os bolsonaristas se sentiriam constrangidos, como eu me senti”, disse a mulher. “Os motoristas não chegaram a falar nada sobre política, mas eu fiquei ansiosa desde que entrei no carro, medindo as palavras, me calando por medo de ter que discutir com eles. Uma situação péssima”, completou a cliente, que reagiu apenas em um protesto silencioso, dando poucas estrelas ao avaliar os profissionais.
Um usuário do serviço em Brasília, de 24 anos, também relatou à reportagem constrangimento silencioso ao entrar em um carro com adesivo de candidato e criticou o aplicativo, que não oferece espaço para esse tipo específico de reclamação. “Acabei marcando que estava dando só uma estrela porque o carro estava sujo. Mas eu queria que a empresa soubesse exatamente do que eu estava reclamando”, disse o rapaz, que também preferiu não se identificar.
Veja mais relatos colhidos pela reportagem nas redes sociais:
Eleição marcada pelo medo
O acirramento da disputa no segundo turno da corrida pela Presidência da República desperta medo em mais de dois terços do eleitorado brasileiro, conforme dados da pesquisa Datafolha divulgados no último dia 8 de outubro.
O levantamento mostrou que 63% dos eleitores têm medo de atos de violência até o final do pleito, em 30 de outubro. Desses, um a cada três, (34%) respondeu ter “muito medo”. Outros 29% têm “um pouco de medo” e 35% relataram não ter medo de atos de violência. Apenas 1% preferiu não opinar.
Índices maiores de temor por violência política foram aferidos entre eleitores de Lula (43% têm muito medo) e mulheres (também 43%). Entre homens, 24% responderam que têm muito medo. No cenário de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, 23% deram essa resposta.
No panorama de eleitores lulistas, 29% afirmaram que não têm medo. Entre os bolsonaristas, 45% disseram que não temem violência política.
O que dizem a Uber e a 99
O Metrópoles entrou em contato com as principais plataformas de aplicativos de transporte que operam no Brasil e ambas informaram que têm regras para garantir o respeito mútuo entre motoristas e clientes, mas nenhuma proíbe a adesivagem política – apesar de a Uber ter pontuado que desaconselha a prática.
Segundo a Uber, “motoristas parceiros são profissionais independentes e têm autonomia sobre o veículo que escolhem para realizar viagens utilizando o aplicativo. Dessa forma, é de sua inteira responsabilidade se atentar às regras da Justiça Eleitoral em relação à propaganda eleitoral, além da regulação local sobre a exibição de publicidade em veículos (como a Lei Cidade Limpa, na cidade de São Paulo)”.
Ainda de acordo com a Uber, “independentemente da legislação, nossa recomendação ao motorista parceiro é evitar o uso de adesivos, eleitorais ou de outra natureza, que possam causar desconforto nos usuários que vier a atender.”
Já a 99 informou, por nota, que “o motorista parceiro é um profissional autônomo e tem a liberdade de realizar atividades em seu veículo desde que sejam legalizadas, cumpram a legislação de trânsito e de privacidade aplicáveis em âmbito federal, estadual e municipal e não infrinjam os Termos de Uso da plataforma”.
“A empresa reitera ainda que o respeito mútuo é a base de tudo e é obrigatório para utilização do app. O ambiente da plataforma é diverso, e todas as pessoas têm direito à sua opinião e a expressá-la. Comportamentos agressivos, ofensivos ou qualquer outra forma de desrespeito ou discriminação não são tolerados. A companhia ressalta que durante as corridas, motoristas parceiros e passageiros devem ser tratados mutuamente com cordialidade e respeito.”
Estevan
Sábado, 22 de Outubro de 2022, 22h33Botelho pinto e Rolayne Pinto
Sábado, 22 de Outubro de 2022, 22h22