A Amazônia Legal já tem em mais de um terço de seu território a presença de facções criminosas ligadas ao narcotráfico — algumas delas locais, outras com origem no Sudeste do Brasil, como a fluminense Comando Vermelho (CV) e a paulista Primeiro Comando da Capital (PCC). No último ano, 260 dos 772 municípios que compõem os nove estados da região tinham pelo menos um grupo criminoso em atuação. O número é 46% superior às 178 cidades mapeadas em 2022.
Os dados estão na 3ª edição do levantamento Cartografias da Violência na Amazônia, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Mãe Crioula. Publicado ontem, o estudo mostra que 176 municípios têm a presença de pelo menos uma facção vinculada ao narcotráfico, enquanto outros 84 são disputados por dois ou mais grupos.
A governança criminal sob o território, diz o relatório, é expressa em pichações com ordens e penas para a comunidade. Em algumas delas, os criminosos determinam que “é proibido roubar” ou “a cada fofoca, 15 pauladas”. Nem mesmo as crianças e jovens são poupados. Uma das imagens trazidas pelo estudo mostra a inscrição de uma facção na parede de uma escola pública de Marabá (PA). As facções disputam espaço também nas redes sociais, por meio dos “proibidões”, músicas que ostentam a dinâmica dos grupos e fazem apologia à violência.
Hegemonia do CV
O levantamento aponta uma tendência de estabilização em alguns dos conflitos entre facções. Dos 260 municípios com presença dos grupos, 130 são controlados pelo CV, 28 pelo PCC e os demais por grupos menores. Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que a facção fluminense tem uma forte presença nos estados da Amazônia Legal desde 2017, quando perdeu suas rotas de escoamento da droga na fronteira com o Paraguai e se consolidou na Região Norte.
— O Comando Vermelho foi engolindo as facções locais, como a própria Família do Norte (FDN). Seu modelo de negócios menos hierárquico, que privilegia a parceria, fez com que ele se aproximasse das facções locais e fosse se fortalecendo em função disso — afirmou Lima. — Boa parte do dinheiro que circula na região hoje é do crime. Em termos etnográficos, é possível dizer que o crime organizado é o principal empregador na região amazônica.
Segundo Lima, assim como o PCC, o CV passou a ter características parecidas com uma organização mafiosa e atualmente controla o esquema do tráfico de ponta a ponta. Ele ressalta que faixas importantes do território do Peru estão sob o comando do CV para a produção da folha de coca, matéria-prima da cocaína.
— Hoje, no mercado da droga, o CV e o PCC são produtores, distribuidores e varejistas. E isso muda completamente o patamar das duas organizações — avaliou.
O conflito por territórios e pelo uso do solo é o principal indutor da violência nos estados da Amazônia Legal, de acordo com a pesquisa. A ação de facções ocupa um lugar central não apenas em função da dinâmica do narcotráfico, mas também em conexão com o avanço do desmatamento, de outros crimes ambientais e com disputas fundiárias.
— As organizações passaram a explorar todo e qualquer produto que gere retornos muito altos, que tenham como fundamento a questão do controle do território. Para ter essa força, elas precisam ter controle do território, seja na comunidade do Rio de Janeiro, seja na quebrada de São Paulo, seja na selva. No caso da Amazônia, é preciso ter o controle da rota toda da droga. Com esse controle da rota, começam a explorar o uso da terra, a abrir pasto para atividades de loteamentos clandestinos, trazer gado, explorar o ouro. O eixo estruturador é o território — concluiu.
A hegemonia do CV, de acordo com Lima, é parte da explicação para a queda de 6,2% na taxa de mortes violentas intencionais entre 2021 e 2023 nos nove estados da Amazônia Legal, redução superior a do cenário nacional. O índice passou de 34,4 mortes por cem mil habitantes para 32,3 no triênio. Mortes violentas intencionais é uma categoria criada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que inclui homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes em decorrência de intervenção policial.
Outra razão para a queda, explica Lima, é a implementação de políticas públicas bem-sucedidas na região. Entre elas, a articulação entre as instituições de segurança pública estaduais e federais, como a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco), liderada pela Polícia Federal. E iniciativas inovadoras no plano subnacional, como a Operação Curupira, que converge ações das Secretarias de Meio Ambiente e Segurança Pública e Defesa Social do Pará para implementar uma estratégia integrada entre as forças policiais e os órgãos ambientais estaduais para contenção do avanço do desmatamento — e, por consequência, com impactos em outros crimes.
A cidade mais violenta
Apesar da redução, a taxa amazônica foi 41,5% maior que a brasileira em 2023. Enquanto o Brasil registrou 22,8 mortes por cem mil habitantes, a Amazônia Legal teve 32,3.
Fundada em 1991 em torno de um garimpo, a cidade paraense de Cumaru do Norte é a mais violenta da Amazônia Legal, aponta o levantamento. Sua taxa de morte violenta intencional foi de 141,3 mortes a cada cem mil habitantes entre 2021 e 2023. É seis vezes mais do que a média brasileira. Dos 50 municípios mais violentos, 19 estão no Pará. O estado registrou 32,8 mortes por 100 mil habitantes em 2023. A expansão da fronteira com a construção de rodovias, como BR-163 (Santarém–Cuiabá) e a BR-230 (Transamazônica), é uma das principais explicações para os altos índices de violência no estado. Nesses locais, segundo o estudo, conflitos fundiários e exploração de commodities são produtores de violência e violações de direitos territoriais.
Já no sudeste do Pará, onde está Cumaru do Norte, a dinâmica da violência se dá em função dos conflitos entre agropecuaristas e populações tradicionais que brigam pela posse da terra contra o avanço do monocultivo, principalmente da soja.
FAZ O L !!!!!!!
Quinta-Feira, 12 de Dezembro de 2024, 19h51