A Justiça Federal rejeitou o pedido de multa feito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) contra a historiadora transexual Tertuliana Lustosa, após uma performance que foi considerada erótica pela instituição durante um evento acadêmico.
O episódio ocorreu durante seminário em outubro de 2024, quando ela, na condição de palestrante convidada pelo Grupo de Pesquisa Epistemologia da Antropologia, Etnologia e Política (GAEP), apresentou sua pesquisa durante a Mesa-Redonda "Dissidências de gênero e sexualidades", em que reproduziu e performou sua música "Educando com o C*", exibindo os glúteos à plateia. A divulgação do vídeo pela própria historiadora nas redes sociais tornou o caso viral.
Na época, a universidade publicou uma nota pública afirmando considerar a conduta "inapropriada para o momento e a construção do debate acadêmico-científico em que se encontrava" e que "não compactua com quaisquer tipos de ações que possam desrespeitar os valores e princípios basilares da instituição".
Depois do ocorrido, a instituição entrou com tutela de urgência na Justiça pedindo que Tertuliana pare imediatamente de usar o nome, o logotipo e a imagem da instituição em suas redes sociais e outros canais. A instituição pediu multa de R$ 5 mil por dia caso a ordem não seja cumprida.
Segundo a universidade, durante a palestra, ela fez gestos considerados provocativos, mostrou partes do corpo e tocou uma música com letras sexuais explícitas.
A situação teria causado grande polêmica e, de acordo com a UFMA, prejudicou a imagem da instituição. A universidade afirma ainda que Tertuliana estaria usando sua participação no evento para vender livros e conteúdos pessoais, se beneficiando da associação com a UFMA sem autorização.
Além de pedir que ela pare de usar qualquer referência à universidade, a instituição de ensino também pediu R$ 20 mil de indenização por danos morais.
Pedido indeferido
Em sua decisão provisória de abril, o juiz Eduardo Gomes indeferiu o pedido da UFMA por entender que não ficou comprovado o uso atual do nome, sigla ou imagem da universidade pela parte requerida.
O magistrado destacou em sua fundamentação que "os documentos acostados aos autos referem-se a fatos ocorridos em outubro de 2024 e à repercussão desses acontecimentos nas redes sociais e na imprensa. No entanto, inexiste prova atual e concreta de que a ré esteja, no presente momento, utilizando indevidamente os elementos identificadores da UFMA com intuito promocional ou com finalidade lucrativa".
O juiz também argumentou que não havia nos autos qualquer elemento capaz de demonstrar, com mínimo de segurança, que a conduta supostamente lesiva estivesse sendo repetida ou mantida. Explicou que o simples receio de que o fato pudesse se repetir, sem qualquer base probatória atual, não seria suficiente para justificar a concessão da medida liminar solicitada.
Quanto à possível violação da imagem institucional da UFMA, embora reconhecendo a importância do tema, o juiz esclareceu que uma análise adequada sobre eventual dano à honra objetiva da instituição exigiria uma apuração mais aprofundada.
Na fase de tutela provisória, com seu caráter sumário de análise, o juiz considerou que não seria possível formar uma convicção segura sobre a ilicitude da conduta nem sobre a existência de risco real de dano irreparável à imagem da universidade. Diante dessas considerações, o magistrado decidiu pelo indeferimento da tutela provisória solicitada pela UFMA.
Quanto à indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil, o processo ainda tramita e aguarda decisão final.
Em nota ao Terra, a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) informou que irá recorrer da decisão proferida. Quanto ao mérito da questão, esclarece que todas as manifestações ocorrerão exclusivamente nos autos do processo, respeitando o devido trâmite legal.
O que diz Tertuliana
Em vídeo nas redes sociais, Tertuliana reagiu à decisão judicial, destacando sua trajetória acadêmica com graduação em Arte e mestrado recém-concluído. Ela disse ter ficado indignada com o processo movido pela universidade. "Eu só tô tentando ser alguém, tentando o meu pequeno espaço na universidade, e a universidade vai me processar. Eu achei isso uma coisa totalmente contrária ao significado de educação."
Ela contestou a classificação de sua performance como difamatória, alegando que o professor organizador do evento conhecia seu trabalho. "É uma vergonha para mim viver uma situação dessa", declarou.
" [...] Espero que isso fique aí na história da universidade brasileira, como que os alunos, como que as pessoas que estão sonhando um espaço na universidade, sonhando uma possibilidade de mudar de vida, sendo atacada desse jeito", acrescentou.
Odilson Silva
Terça-Feira, 08 de Julho de 2025, 10h39