A existência de apostas no território brasileiro não é nenhuma novidade. Ao contrário. O cidadão comum carrega consigo um apreço pelos caminhos em que a sorte poderá lhe conduzir, reservando sempre que possível um tempo para realizar a sua “fé” nas mais diversas espécies de apostas (na sua essência).
A adequação social da conduta é tamanha que, ciente do senso comum que envolve tal atividade, o próprio Governo Federal explora-a mediante sorteios realizados pela Caixa Econômica Federal.
Em síntese, apostas, sorteios e jogos são atividades interligadas, ora um é objeto do outro, ora o outro se põe enquanto objeto, mas o fato é que que todos compõe um gênero que busca uma obtenção de prêmio a partir do desembolso do competidor.
Com o advento do fenômeno da globalização e do uso alargado da internet para finalidades econômicas, as denominadas “casas de apostas” abandonaram o seu formato original voltado a difusão do famigerado “jogo do bicho”, para se inserir na rede mundial de computadores a partir de plataformas modernas e visualmente atrativas ao apostador que pretende depositar sua fé na sorte, a exemplo do que também pode fazer, de forma lícita, nas loterias gerenciadas pela Caixa Econômica Federal.
Nesse contexto, o que se observa atualmente é que as denominadas “casas de apostas” ofertam serviços de apostas, sorteios e jogos através de plataformas virtuais hospedadas em território estrangeiro com livre acesso do apostador residente em território brasileiro.
Ou seja, a empresa prestadora do serviço de exploração de jogos e apostas não se hospeda em território nacional, porém, na prática, também oferece os seus serviços ao consumidor brasileiro, fazendo com que, a partir da manobra, o Estado Brasileiro não detenha competência territorial para julgar lícita ou ilícita a atividade.
Retrato da inserção dessas empresas em território nacional é a frequente veiculação de publicidade em seu favor no âmbito dos campeonatos de futebol, inclusive em rede nacional de televisão, já existindo estimativa que, ao menos 15 (quinze) times que disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro de 2020, possuem algum tipo de parceria comercial com as referidas empresas.
Essa prática nos remete a reflexão sobre a criminalização automática que se pretende conferir a tais atividades em território brasileiro, ainda que as mesmas, atualmente, se encontrem em um vácuo jurídico, onde não existem normas que possibilitem concluir com exatidão se tal prática é lícita ou não.
Retrato do que se está a afirmar é a pendência de julgamento do Recurso Extraordinário nº. 966.177/RS no âmbito do Supremo Tribunal Federal que decidirá se a criminalização da exploração de jogos de azar, como contravenção penal, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
O mais próximo enquanto marco legal sobre o tema, temos a Lei 13.756/2018, sancionada pelo Governo Federal, que autoriza o Ministério da Fazenda a elaborar regras para o licenciamento das apostas esportivas de cota fixa em território Brasileiro, contudo, a regulamentação da referida lei encontra-se pendente, isso porque, o Ministério da Fazenda possui o prazo de dois anos (prorrogáveis por mais dois) para regulamentar o sistema de apostas.
Dentre as consequências do apontado limbo jurídica dessas práticas, está a não tributação da atividade de exploração de jogos e apostas, ainda que estas estejam visivelmente inseridas no meio comum. Sediadas em território estrangeiro, as denominadas “Casas de Apostas” não possuem responsabilidade tributária frente a União, Estados e Municípios, ainda que sua renda possa advir, ainda que em parte, das injeções financeiras realizadas pelo apostador brasileiro.
Para a discussão aqui trazida, vale registrar que estima-se que, apenas no ano de 2020, o apostador brasileiro tenha movimentado em favor dessas empresas quantia aproximada a R$8.000.000.000,00 (oito bilhões de reais), montante que, per si, revela a problemática que a criminalização da conduta em território brasileiro, ainda que socialmente aceita, traz para a possibilidade arrecadatória do ente federativo.
Por isso, o título do presente texto se inicia com “a perda de uma chance”, fazendo analogia ao instituto do Direito Civil é que se pretende afirmar que o Estado Brasileiro perde valiosa chance ao não regulamentar, assim como descriminalizar, atividade que é socialmente aceita em território brasileiro e explorada através de manobras que geram prejuízos significativos a capacidade arrecadatória do Estado.
Importante apontar enquanto exemplo o caso da Colômbia que, em 2016, legalizou e regulamentou a prática, tornando-se o país se tornou um modelo de exemplo na América Latina envolvendo a temática em relação às questões comerciais, integridade do jogo e arrecadação para o estado.
Conclui-se nessas breves linhas a necessidade que o Estado Brasileiro volte os olhos para a regulamentação de tais práticas, sobretudo, no tocante a possibilidade de arrecadação advindas das apostas, o que evidentemente acarretará resultados positivos para o País como um todo, isso em diversas perspectiva.
Artur Barros Freitas Osti
Advogado criminalista. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em parceria com a Universidade de Coimbra. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Leonardo do Prado Gama
Advogado civilista. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (PPGD/UFMT). Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT).