Sei muito bem que falar de certas situações é incômodo; escrever, então, chega a ser inconveniente. Mas, nos últimos dias, isolado num leito de UTI, compreendi que mesmo a angústia pode ser aliviada com pequenos atos prosaicos de nosso próprio físico. Ou seja, ligeiros espasmos de conforto e liberdade.
Injustiçado e reprimido ao longo da história, este personagem banal tornou-se um proscrito nos hábitos mais comezinhos da vida social. Todos, vez ou outra, relaxam ao praticar tal heresia comportamental. É feio, dizem alguns. É falta de educação, acusam outros. Mas, mesmo no mais secreto dos recônditos, ele se solta e alivia a natureza deletéria da prisão de ventre.
Faço aqui um elogio ao pum, que eufemisticamente também é conhecido como traque, bomba e rojão. Porém, seu nome popular é mesmo peido. Na literatura médica, ele é descrito como flato. Mas, o homem comum peida. E a mulher também, mais escondidinha, envergonhada e recatada; mas sim, elas também soltam seus gases. Até a rainha da Inglaterra, majestosamente comete este ato antissocial. É uma questão de saúde.
O pum é uma manifestação involuntária e natural do organismo, portanto ecológica e religiosamente correta. Não há sentido em acusá-lo de grosseria. Ele é, por assim dizer, uma espécie de orgasmo intestinal, uma sensação única de liberdade, prazer e satisfação só encontrada no sexo. Reprimi-lo é quase um pecado.
Tá certo, ele cheira mal. Mas são os eflúvios de seu próprio corpo. Ele incomoda os outros para poder gerar seu próprio bem estar, quando se desprende do seu físico. Ao mesmo tempo cria um campo magnético que só o seu dono é capaz de conviver dentro desta redoma de odores. Pum e ser humano mantêm um sentido de tamanha intimidade que somente um tolera o outro. Como diz a sabedoria popular, peido só o dono aguenta.
Segundo o dicionário, “Flatulência ou flato (do latim flatus, sopro) é uma ventosidade anal que pode ser ruidosa ou não e tem um cheiro fétido”. Cientificamente, está comprovado que o pum tem uma relação direta com a alimentação. Primeiro, as pessoas que falam ao comer ou ingerem seus pratos rapidamente têm uma tendência maior de produzir gases no intestino. Anote aí uma pequena lista dos gêneros que geram este desconforto: cebola, couve-flor, ovos, milho, pimenta, feijão, repolho e leite. A tradição popular também inclui a batata-doce entre estes vilões.
Faço toda esta apologia ao flato, pois fiquei confinado a um leito de UTI durante 12 dias, sem poder me locomover ou mesmo tomar aquele gostoso banho de chuveiro. A única liberdade que tinha, mesmo assim debaixo de lençóis, era o peido. Ele foi meu ato de rebeldia, o companheiro leal das horas incertas. O traque nos faz humanos e alivia nossas dores. Com isso, aplaca nossas angústias. É a mínima satisfação nos momentos delicados e imprevisíveis. Mas não há como negar, ele é um alívio para o corpo e para o espírito. E você, já peidou hoje?
PS: Brincadeiras a parte, gostaria de agradecer enormemente a paciência e a dedicação do corpo médico do Hospital Santa Rosa, em especial a doutora Ezilaine do Nascimento Rosa, que muito contribuiu para o restabelecimento de minha saúde. Agradeço, ainda, aos enfermeiros, que não medem esforços para aliviar a dor dos pacientes. Mas também não posso me esquecer da oração e da torcida dos amigos, que fizeram a diferença na minha recuperação.
*PAULO LEITE é escritor e jornalista