Nos últimos tempos, tenho ouvido repetidamente autoridades, políticos e figuras públicas compararem problemas graves da sociedade como corrupção, criminalidade, falhas institucionais ao câncer. Frases como “isso é um câncer no sistema” ou “o país está tomado por um câncer” se tornaram comuns, como se a palavra servisse para expressar algo intratável, impossível de resolver. Como alguém que já enfrentou um câncer na vida real, preciso dizer: essa comparação me fere profundamente.
Durante meu tratamento, lutei com todas as forças, com fé e esperança, acreditando na cura. Ouvir minha doença ser usada como metáfora para algo sujo, incurável, destrutivo, é como reviver o estigma de que o câncer é uma sentença de morte quando, na verdade, milhares de pessoas estão vivas graças aos avanços da medicina e à força de vontade.
O câncer não é sinônimo de fim. Não é metáfora de podridão. É uma realidade dura, enfrentada diariamente por milhões de pessoas e suas famílias com coragem, dor, mas também com dignidade e esperança.
Usar essa doença como analogia para problemas sociais transmite uma mensagem injusta e cruel. Além de ser insensível, reforça preconceitos, desumaniza os pacientes e desrespeita todos os que ainda estão em tratamento.
Peço às autoridades públicas e aos formadores de opinião: escolham melhor as palavras. Problemas graves devem ser combatidos, sim mas com responsabilidade, e sem transformar nossa dor em figura de linguagem. O câncer é real. E quem o enfrenta merece respeito.
Paulo Nicodemos Gasparoto é empresário em Cuiabá, foi presidente da CDL-Cuiabá e, após deixar a presidência em 2014, continuou engajado como vice-presidente institucional. Gasparoto também liderou a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Mato Grosso (FCDL-MT).