Opinião Quinta-Feira, 17 de Junho de 2021, 09h:39 | Atualizado:

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Laila Allemand

Cláusula de Hardship

 

Laila Allemand

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No início do ano de 2019 se alguém dissesse que o mundo estava prestes a fechar as portas e a passar semanas, meses, em isolamento com certeza pensariam que essa pessoa estava sofrendo de delírios. Contudo, no final do mesmo ano, conhecemos a mais grave pandemia desde a gripe espanhola de 1918 (ninguém acreditaria que após 100 anos viveríamos novamente uma crise sanitária de proporções globais).

Parece incoerente iniciar um artigo que tem por tema onerosidade contratual e cláusula de Hardship falando de um assunto como Pandemia, mas o que são contratos senão um reflexo da vida? Afinal nos contratos encontram-se nossos planejamentos, vontades, expectativas e condições econômicas. Todas essas coisas são um reflexo do mundo fora do papel e tal como ele, esses papéis estão sujeitos aos cenários que nos cercam e são afetados por uma crise sanitária.

Pandemia é sinônimo de instabilidades sociai e econômica, trazendo incertezas e cenários que jamais poderiam ser previstos já que a própria crise sanitária é imprevisível, conforme dito.

Lojas fecharam, serviços pararam e todos os setores foram afetados. Inúmeros compromissos que foram assumidos já não poderiam ser cumpridos na sua totalidade ou muitas vezes sequer tiveram adimplemento parcial. A partir desse contexto tem-se então um cenário extremamente favorável para o desequilíbrio de contratos que já estavam materializados.

O cenário pandêmico e o pós-pandemia (que ainda não ocorreu) chamam a atenção para uma necessidade de adequação dos contratos que tem suas prestações distribuídas no tempo, ou seja, contratos de execução diferida, contínua ou periódica, para que em eventos como esses, que são extraordinários e imprevisíveis, as relações jurídicas não se rompam ou precisem ser revistas judicialmente, tudo para o fim de que se reforce o princípio da conservação dos contratos e a segurança das relações jurídicas das partes.

Contudo, a onerosidade excessiva de um contrato é algo difícil de ser comprovado já que depende de critérios não somente objetivos, mas também subjetivos, inclusive da interpretação do que poderia ser uma situação extraordinária e imprevista, o que seria uma vantagem extrema... todos esses critérios são definidos exclusivamente por jurisprudência ou de acordo com a convicções do julgador, situação essa que gera muitas incertezas e muita insegurança jurídica.

É dessa forma que surge a chamada Cláusula de Hardship, cujo termo estrangeiro traz o significado de algo difícil de suportar, traz aflição. Essa cláusula tem por finalidade tratar já no contrato quais situações poderiam ensejar uma onerosidade excessiva em razão de uma adversidade, dificuldade e estabelecendo que na ocorrência destes cenários há uma obrigação dos dois polos do contrato renegociarem os seus termos.

Orlando Gomes, em um parecer emitido a pedido da Cia. Vale do Rio Doce, define essa espécie de cláusula como:

“[...] é uma cláusula que permite a revisão do contrato se sobrevierem circunstâncias que alterem substancialmente o equilíbrio primitivo das obrigações das partes. Não se trata de aplicação especial da teoria da imprevisão à qual alguns querem reconduzir a referida cláusula, no vezo condenável de ‘transferir mecanicamente os institutos do armário civilístico clássico aos novos contratos comerciais. Trata-se de nova técnica para encontrar uma adequada reação à superveniência de fatos que alterem a economia das partes para manter [...] sob o controle das partes, uma série de controvérsias potenciais e para assegurar a continuação da relação em circunstâncias que segundo os esquemas jurídicos tradicionais, poderiam levar à resolução do contrato.” 

Assim essa cláusula é uma espécie de garantia que as partes inserem no contrato para se resguardarem e, principalmente, resguardar a relação contratual na eventualidade de um imprevisto que poderia prejudicar um dos polos ou ambos, tornando as prestações avençadas insuportáveis desequilibrando a relação pré-estabelecida.

A finalidade de uma Hardship então é clara e visa o cumprimento dos contratos mesmo diante de uma situação imprevisível, dando espaço e oportunidade para as partes renegociarem antes de intentarem uma demanda judicial, dando mais controle aos particulares e uma segurança maior para a relação contratual.

A oportunidade de uma negociação/renegociação antes de ser intentada uma demanda judicial deve ser sempre preferível, visto que eventuais desgastes emocional e econômico sofridos pelas partes celebrantes do negócio jurídico devem ser evitados, afinal de contas a manutenção da relação contratual na maioria dos casos se mostra mais frutífera e lucrativa.

*Laila Allemand é sócia do Allemand Brazil Advocacia e especialista nas áreas empresarial, criminal e administrativa.      





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